30 de outubro de 2023

ETIÓPIA: PROVÍNCIA COMBONIANA TEM NOVO PADRE





A província comboniana da Etiópia tem um novo presbítero: Abba Tamirat Tagegn, ordenado no sábado, 28 de outubro de 2023.

A paróquia católica de São Miguel de Hembecho, dirigida pelos Frades Capuchinhos no Vicariato Apostólico de Sodo, Sul da Etiópia, vestiu-se de festa para acolher a ordenação sacerdotal de um dos seus filhos.

A chuva matinal não impediu que os fiéis, vestidos com os trajes festivos e tradicionais, se pusessem a caminho e enchessem o grande templo quadrado construído à volta de um enorme altar sustentado por doze colunas.

Mais tarde, o sol agraciou o evento com a sua luz radiante.

Dois coros emprestaram  cor, alegria e energia à celebração solene.

Dom Tsegaye Keneni, Vigário Apostólico de Sodo, presidiu à Eucaristia e conferiu a ordenação.

Cerca de quarenta sacerdotes — padres locais dos Vicariatos Apostólicos de Sodo e Hawassa e missionários de vários Institutos, algumas religiosas e dois diáconos — também testemunharam a ordenação de Abba Tamirat.

A liturgia, conduzida em amárico e wolaytta, prolongou-se por mais de três horas.

O novo sacerdote escolheu Lucas 10,1-11 como Evangelho para a sua ordenação.

Dom Tsegaye, na homilia, sublinhou que Deus chama as pessoas do seio da família; que Abba Tamirat é ordenado para estar ao serviço da Eucaristia, que está no centro da vida cristã; que o seu ministério representa a presença da Igreja local de Sodo na missão da Igreja universal de Cristo; que os fiéis devem apoiar o novo presbítero com as suas orações.

Depois da homilia, os pais de Tamirat apresentaram o filho para a ordenação.

Abba Asfaha Yohannis, superior provincial dos combonianos na Etiópia, revestiu o recém-ordenado com os seus paramentos litúrgicos.

Durante a ação de graças, o Abba Asfaha expressou a sua gratidão a Deus, ao Bispo e a Abba Tamirat, aos seus pais, à paróquia e a todos os presentes. Aproveitou a ocasião para evocar a vida e o carisma de São Daniel Comboni.

O neo-sacerdote teve também palavras de agradecimento em inglês, amárico e wolaytta.

No final da celebração eucarística, muitos participantes vieram saudar o novo sacerdote comboniano e abençoá-lo com muitos presentes, algum dinheiro e um touro.

A cerimónia de ordenação concluiu com um almoço fraterno onde foram servidos aos participantes muitos pratos tradicionais saborosos.

Abba Tamirat regressa ao Peru no início de novembro. Concluiu a sua formação teológica em Lima no início deste ano e foi destinado pelo Conselho Geral para inaugurar o seu ministério sacerdotal missionário na Província do Peru.

18 de outubro de 2023

A BENÇÃO DA MISSÃO


Lucas conta no Evangelho que os setenta e dois regressaram da sua jornada missionária com incontida alegria. «Senhor, até os demónios se nos submetem em teu nome» — reportaram, jubilosos, a Jesus (Lucas 10, 17).

O Mestre acolheu o seu entusiasmo com alguns ditos. A minha atenção fixou-se na sua última afirmação. Jesus congratula os discípulos com uma bênção: «Felizes os olhos que veem o que estais a ver. Porque — digo-vos — muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não ouviram» (Lucas 10, 23-24).

A missão é, de facto, uma bênção, uma felicidade. Ao aceitar sair para as periferias do mundo, o missionário entra numa jornada inédita de redescoberta de Deus e do humano viver.

Quando vim pela primeira vez viver com o povo guji do Sul da Etiópia — já lá vão trinta anos — aprendi a entender Deus de uma maneira diferente.

Os gujis começam a oração tradicional invocando Deus como Pai e Mãe, Avô e Avó, Bisavô, que nos deu à luz. Esta invocação ilumina o conceito de Deus como o antepassado comum do qual todos provimos e para o qual todos voltamos. O Alfa e o Omega do nosso viver. A Fonte e o Destino do nosso ser.

Já no Sudão do Sul, impactou-me a afirmação «Deus é generoso», «Allah Karim». Ouvi esta frase árabe imensas vezes durante os sete anos que permaneci no país mais jovem do mundo. Deus é generoso e nós somos produto e destino dessa generosidade sem limites.

Estes novos modos de dizer Deus, aprendidos dos povos a quem vim missionar, são parte da novidade do seguir Jesus pelos caminhos do Evangelho.

Depois, há a outra vertente: a experiência de ser humano em expressões totalmente novas e tão legítimas como a nossa experiência própria.

Começa com a aprendizagem da língua local e da sua cultura para ter acesso ao coração das pessoas. Ainda hoje quem não me conhece fica surpreendido por me ouvir a falar — mais ou menos bem — guji. A polícia em Adis-Abeba perdoou-me duas multas, agradecendo-me por falar a língua deles.

A língua, além de ser o instrumento de trabalho mais importante do missionário, dá-lhe acesso às pessoas numa plataforma de igual para igual. Na Etiópia, os combonianos têm a tradição de não usar intérpretes. Quando chegam têm o tempo necessário para entrar nos meandros da gramática local para depois poderem trabalhar sem a barreira da tradução.

Há ainda outro aspecto a reter: a emersão numa cultura nova escancara as portas a uma experiência nova de humanidade, experimentando o humano viver em dimensões e expressões novas e desafiantes e reconhecendo a legitimidade e a validade das culturas hospedeiras.

Esta experiência passa pela comida e pela bebida (às vezes à custa de algumas diarreias), pelas danças e cantares, pela forma de vestir, pela singularidade dos conceitos de tempo e espaço, pelas prioridades, pelos salamaleques…

A experiência humana mais profunda que fiz foi passar da vida tranquila dos gujis do Uraga para a Cidade do México depois de uma breve semana em Portugal para levantar o visto de estudante na embaixada mexicana em Monsanto.

Não pode haver contraste maior do que a vida dos gujis do Uraga e a vida dos mexicanos na megalópole que lhes serve de capital. Das colinas verdejantes e cheias de vida à confusão poluída da grande urbe onde — descobri — é quase impossível estar sozinho. Duas maneiras de viver tão díspares e tão legítimas.

Jesus felicita os discípulos pelo que veem e ouvem. O que é? A erupção silenciosa do tempo de Deus no tempo humano, o irromper humilde do Reino de Deus na cidade humana através de pequenos e singulares gestos de partilha, respeito, hospitalidade, acolhimento, salvação.

A missão, essa estranha forma de vida que faz do missionário um andarilho do Evangelho, é uma felicidade, uma bênção, uma jornada pessoal de redescoberta e crescimento na vivência do mistério de Deus e do humano.

11 de outubro de 2023

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO



O novo ano escolar de 2016 (segundo o calendário local) está a dar os primeiros passos. Na escola da missão de Qillenso, 180 alunos já se matricularam da quinta à oitava classe: 72 raparigas e 108 rapazes. A turma maior é a do oitavo ano: 68 estudantes (40 rapazes e 28 raparigas).

Para os ensinar o Governo destacou sete professores: duas mulheres e cinco homens. A missão contratou mais dois em regime parcial: um bibliotecário que também dá aulas de recuperação algumas tardes por semana e um professor de moral e estudos de paz.

A escola, neste ano letivo, tem de comprar três computadores para os alunos praticarem o que aprendem nas aulas de informática.

A escola de Gosa — uma antiga missão que agora é capela da missão de Qillenso — tem quase 1300 alunos matriculados do infantário até à oitava classe. O vicariato de Hawassa, a nossa diocese, controla a escola. O infantário de Adola, das Missionárias da Caridade, tem 200 inscritos: lotação máxima.

No total, a missão de Qillenso serve quase 1700 alunos nas suas três escolas.

Este ano escolar será mais tranquilo que os últimos dois? É a minha esperança e o meu voto!

O sistema educativo etíope está a a ser reformado. As mudanças colocam alguns desafios tanto a alunos como a professores.

O Ministério da Educação do Estado Regional de Oromia — de que Qillenso faz parte — decidiu rever o currículo no ano passado, mas não imprimiu os livros a tempo. Os professores davam as aulas usando os PDF dos novos manuais nos seus telemóveis.

Para mitigar esta dificuldade, fizemos fotocópias dos manuais para os professores. Mas o serviço ficou muito caro.

Os alunos pagam 100 birr (pouco mais de um euro) de propinas por ano mais 100 birr para os exames (para pagarem as fotocópias dos testes). O Governo dá-nos um subsídio anual de 10 mil birr e o vicariato também contribui com cerca de 90 mil birr. Contudo, as entradas são manifestamente insuficientes para cobrir as despesas da escola. Valem-nos as ajudas dos benfeitores.

O Mistério Federal da Educação, por seu turno, decidiu reformar os exames nacionais no ano passado. Os resultados foram catastróficos.

Dos alunos que fizeram o exame de admissão à universidade no ano passado só 3,3 por cento passaram. Os resultados deste ano são idênticos. Os exames, que duram três dias, foram feitos nalgumas universidades regionais com polícias federais na vigilância. Os candidatos podem tentar três vezes o exame ou frequentar uma universidade privada.

Os maus resultados espelham as dificuldades que o ensino público enfrenta, sobretudo o conhecimento do inglês, a língua de instrução a partir do nono ano. Na Escola Secundária Comboni, que as Missionárias Combonianas dirigem em Hawassa, dos 187 alunos que fizeram as provas de acesso ao superior 176 passaram.

Os resultados do exame de admissão ao ensino secundário este ano foram um desastre. Dos 54 alunos de Qillenso que o fizeram só um passou (o filho de um professor). No nosso distrito dez escolas registaram zero passagens.

Tentei perceber o que aconteceu. Por um lado, os testes seguiram um modelo novo. Por outro, os alunos fizeram os exames não nas próprias escolas, mas nas escolas da cidade.

No passado, com os exames locais, havia fuga de testes e as respostas eram publicadas na rede social Telegram. Este ano, não houve copianço, porque os testes foram guardados a sete chaves.

Entretanto, o Ministério nacional introduziu o novo exame de fim de curso da universidade. Sessenta por cento dos universitários reprovaram.

O ministro da educação — que é o líder de um partido da oposição — quer reformar e melhorar o sistema educativo etíope.

Para tal, suspendeu a construção de algumas universidades nos estados regionais — com o argumento de que não há professores para tantas instituições públicas de ensino terciário — e investiu nos infantários para criar hábitos escolares na pequenada.

Os alunos em geral têm algumas atitudes negativas em relação à assiduidade e ao estudo.

Se têm duas semanas de férias — no Natal e na Páscoa — aparecem depois de três semanas. Quando lhes é dada uma semana para ajudarem os pais na colheita do milho e do café aparecem 15 dias depois.

Por outro lado, não há o hábito de estudar depois das aulas. Os rapazes sentam-se a conversar na estrada e as raparigas têm as tarefas domésticas à sua espera. Aliás, quando passam de ano, celebram queimando os cadernos diários e ficando sem apontamentos para se prepararem para os exames.