31 de agosto de 2022
É TÃO BOM VOLTAR A CASA
Tive de ir a Portugal a meados de julho, nove meses depois de ter chegado à Etiópia. Normalmente vamos de férias por três meses cada três anos.
Quando vim, no fim de Outubro de 2021, o meu passaporte tinha quase 11 meses de validade: ainda não era renovável. A embaixada em Adis Abeba informou-me que, não tendo serviço consular, não renovava passaportes. Podia fazê-lo noutro país africano ou em Portugal.
Decidi ir a casa para estar com os meus pais e com a minha família e para celebrarmos juntos o primeiro aniversário da morte da minha irmã Celeste. E estar com a comunidade cristã de Cinfães, que me viu nascer, introduziu à fé e em nome de quem também sou missionário.
Passei uma semana em Fátima em retiro anual para renovar o meu compromisso com a missão e participar na peregrinação nacional da família comboniana, ocasião para abraçar colegas, benfeitores e amigos.
Também tive a graça de participar no último adeus ao P. José de Sousa. Foi o maior animador missionário dos combonianos em Portugal. Muitos dos meus confrades entraram no Instituto «pescados» por ele nas visitas às escolas e paróquias das dioceses de Viseu, Lamego, Guarda e Aveiro. Tinha 82 anos.
O mês passou-se a correr! Gostei de voltar ao calor depois de um mês de nevoeiros intensos, morrinha, chuva e humidade na serra de Qillenso, para secar os ossos. Chocou-me o nível de seca que afeta Portugal e a Europa — vista do avião, a terra parecia mirrada e as albufeiras tinham pouca água — e o flagelo dos fogos.
Agradeço o carinho e as ajudas que me entregaram. Grato, encomendo cada pessoa ao amor misericordioso do Senhor da Missão.
Regressei à Etiópia a 17 de agosto. A viagem foi agradável: Porto — Frankfurt (Alemanha) — Adis Abeba. Saí de Pedras Rubras depois das quatro da tarde e cheguei a Adis às seis da manhã do dia seguinte.
Mia Couto — um dos autores africanos que mais estimo — fez-me companhia com o romance Terra sonâmbula. Uma reflexão genial sobre os efeitos da guerra civil em Moçambique através dos olhares de Tuahir, Muidinga e Kindzu.
Deixo três citações: «O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro». «Esperto é o mar que, em vez da briga, prefere abraçar o rochedo». «Nenhum rio separa, antes costura os destinos dos viventes».
Depois de um mês de canícula em Portugal, Adis Abeba acolheu-me com chuva. Negociei o preço da corrida com o taxista — os efeitos da guerra na Ucrânia também se fazem sentir aqui e o preço dos combustíveis aumentou quase cinquenta por cento — e fui para a casa provincial. Os colegas acolheram-me com a alegria e curiosidade costumeiras.
Fiz um dia de descanso e viajei rumo ao sul. Tinha deixado o velho «todo-o-terreno» em Adis para uma revisão mais profunda. Já rodou 405 mil quilómetros e precisava de alguns cuidados extra.
A Etiópia central está na estação das chuvas. Enquanto conduzia para Hawassa contemplava a paisagem verdejante que me envolvia: os campos trabalhados com milho, trigo e tief — o cereal local usado para fazer a injera, o pão quotidiano em forma de panqueca gigante — a crescer.
Os malmequeres amarelos (que anunciam o ano novo etíope — sim, vamos celebrar a chegada de 2015 segundo as contas daqui a 11 de setembro) davam uma nota de alegria às bermas da autoestrada onde alguns animais pastavam tranquilamente.
Almocei com a comunidade comboniana de Hawassa e prossegui a viagem até Qillenso, que fica a 432 quilómetros a sul da capital, na estrada que vai para a Somália. Pelo caminho comprei uma espiga de milho assado para matar saudades do sabor.
O vento deve ter arrumado as nuvens para algum lado, porque o sol deu-me as boas-vindas a casa. Mas, dois dias depois, o nevoeiro, a chuva e a humidade voltaram. É a sua estação! E as pessoas agradecem. Começaram a preparar a terra para semear os cereais e as favas. O milho está quase pronto para a colheita.
Cheguei a Qillenso por volta das cinco e meia da tarde, depois de quase oito horas de condução. O P. Hippolyte e a Guyyate, a cozinheira, receberam-me com um abraço de boas-vindas. Dei-lhes os «miminhos» que levei de Portugal.
Ao jantar trocámos novidades e começamos a pôr a conversa em dia.
Tivemos de fechar o portão maior da missão a cadeado, porque o gado dos vizinhos estava a fazer estragos no recinto; as pessoas entram por um portão mais pequeno inserido no grande; Jalata, um dos jovens mais próximos de nós, tinha casado tradicionalmente; a segurança a sul de Adola — onde fica o outro polo da missão — está a melhorar e o pároco planeia visitar a comunidade de Zambala, a que não vamos há quase um ano por causa dos ataques dos rebeldes oromos.
Uma nota triste. Sukari (Açúcar), uma senhora bastante jovem que sacramentei numa clínica privada em Me’ee Bokko antes de partir, tinha falecido supostamente vitimada por um cancro no estômago. Repousa no pequeno cemitério da missão, onde a fui encomendar à misericórdia de Deus.
O nosso gato desapareceu, talvez apanhado por um animal selvagem, um felino de porte médio parecido com o lince, a quem os dicionários chamam lobo-gato, que vive por aqui.
É tão bom voltar e sentir-me aqui também em casa!
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