2 de abril de 2022
Gujis (Etiópia): A GRANDE REVOLUÇÃO CULTURAL
O povo Guji — que vive no sudeste da Etiópia e pertence à etnia Oromo — passou por uma revolução cultural muito grande durante as últimas três décadas graças à agricultura.
Os gujis são pastores que têm grande orgulho nas suas vacas, ovelhas, cabras, burros e cavalos. Costumavam desprezar a agricultura como trabalho escravo. Um dia, no início da missão de Haro Wato, estava a cavar um pedaço de terra entre a casa e a estrada para fazer uma pequena horta. Um ancião viu-me, voltou para trás, entrou no recinto, tirou-me a enxada das mãos, atirou-a ao chão e repreendeu-me. Eu estava a estragar o meu bom nome ao cavar a terra.
Hoje, os gujis superaram o preconceito sobre a agricultura e produzem quase tudo: do café ao chat (uma planta estimulante alcalóide que é droga legal), dos cereais às leguminosas e todo o tipo de legumes à custa da floresta. Agora, têm dinheiro, estão melhor alimentados, vestidos e alojados.
Têm acesso à rede móvel de telecomunicações, à electricidade ou energia solar, e muitas casas — maiores e mais confortáveis do que as cabanas tradicionais — têm parabólicas de televisão nos seus telhados de zinco com uma oferta enorme de canais de televangelistas etíopes que rezam, louvam, pregam e pretendem fazer curas em amárico, oromo e outras línguas. É um desafio à experiência de culto das comunidades católicas que já se debatem com questões de organização e culto de inspiração protestante.
Quando eu era director escolar de Haro Wato, a carreira académica de uma menina terminaria muito provavelmente na quarta classe. Era muito difícil convencer os anciãos a deixar as raparigas continuarem com a escolaridade. Em Qillenso, duas décadas mais tarde, as raparigas são tantas como os rapazes da escola da missão que, entretanto, foi promovida da quinta para a oitava classe. Um bom número de moças frequenta a escola secundária em Me'ee Bokko e Adola, algumas frequentam a faculdade ou universidade e as licenciadas estão a exercer as suas profissões em Adola, Neguele, Uraga ou noutro lugar.
O Islão também está a ganhar entre os Guji. No passado, alguns dos meus amigos em Haro Wato considerá-lo-iam com desprezo. Costumavam dizer-me que os pregadores muçulmanos estavam apenas interessados nas suas mulheres e no seu gado. Agora a aldeia tem uma mesquita. Alguns católicos converteram-se ao Islão devido aos comerciantes muçulmanos que controlam o mercado do café e os locais de processamento na região. As mesquitas em Adola estão ocupadas com o ensino utilizando altifalantes. Na cidade, é comum cruzar-se com mulheres que usam um rigoroso código de vestuário islâmico, deixando de fora apenas os bonitos e enormes olhos.
Entretanto, a missão Haro Wato registou um enorme desenvolvimento: passou de 29 comunidades (em 2000) para as actuais 52. A rede de estradas de terra batida favorece as deslocações às comunidades. Qillenso manteve as suas quatro estações mais a paróquia de Gosa.
Ambas as igrejas foram para a cidade: Haro Wato abriu uma capela em Sollamo, a cidadezinha capital do distrito, e as Missionárias Combonianas iniciaram um jardim de infância na mesma área à qual acrescentaram a escola primária que no próximo ano letivo chegará à oitava classe. Qillenso cresceu do sudeste para Adola. Os combonianos construíram uma pequena casa de barro, uma biblioteca pública, uma igreja espaçosa e gerem um albergue com nove rapazes e sete raparigas das zonas rurais que frequentam a escola secundária na cidade sagrada dos gujis.
À volta de Adola há nove comunidades ao longo do rio Awata, em direcção ao rio Ganalle e junto à estrada para Neguele. Infelizmente, os confrontos entre rebeldes e forças de segurança impedem-nos de visitar três comunidades durante os últimos quatro meses. Em Adola, a liturgia foi amarizada pela forma como as mulheres se vestem para ir à igreja e as pessoas rezam e cantam.
A pastoral vocacional é também um novo desenvolvimento com alguns frutos concretos. Já existe um padre guji entre o presbitério do Vicariato de Hawassa. Os Combonianos têm um escolástico e um postulante gujis. Duas raparigas de Qillenso estão no postulantado de uma congregação local e outra internacional. As combonianas seguem quatro candidatas: três de Haro Wato e uma de Qillenso.
À volta de Qillenso, as comunidades cresceram em auto-sustentação através da agricultura e plantação de eucaliptos, ofertórios dominicais e o côngrua anual. Compraram sistemas solares e sonoros e teclados que trouxeram muito ruído às liturgias. Em Adola, estamos a reiniciar a pastoral prisional após uma interrupção de dois anos devido à pandemia do Covid 19.
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