8 de maio de 2020

NADA TE PERTURBE


Durante a última ceia Jesus disse aos discípulos entristecidos: «Não se perturbe o vosso coração».

Repete-o a ti e a mim nos tempos conturbados que vivemos, perturbados pelo medo do novo coronavírus, da doença, da insegurança, da falta de emprego, da fome, da morte…

Fiz uma pesquisa no aplicativo da Bíblia dos Capuchinhos e descobri que o imperativo «não temais», «não tenhais medo» no singular e no plural aparece pelo menos 125 vezes na Bíblia do Livro do Génesis (15,1), o primeiro livro da Bíblia, ao Apocalipse (2.10), o último.

Não temas é o grande pregão que atravessa as Escrituras cristãs, o imperativo de Deus a cada um de nós, hoje.

Ter medo é um sentimento natural de autopreservação, uma espécie de preservativo que nos livra de situações perigosas, um grito de alarme, às armas.

O Dalai Lama e o Arcebispo Desmond Tutu publicaram um livro-entrevista sobre a alegria.

O líder espiritual tibetano diz: «Na verdade, o medo faz parte da natureza humana; é uma resposta natural que surge face ao perigo».

E tem um modo de ser trabalhado: «Com coragem, quando de facto surge o perigo, poderão ser mais destemidos, mais realistas. Por outro lado, se deixarem a vossa imaginação à solta, exacerbam a situação, o que gera mais medo».

Com coragem: agir com o coração a partir do Coração de Deus.

Coragem que Nelson Mandela também invoca: «Aprendi que a coragem não era a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. Senti medo mais vezes do que aquelas que consigo recordar, mas escondi-o sob a máscara da ousadia. O homem valente não é aquele que sente medo, mas aquele que conquista o medo».

Daniel Comboni também experimentou o medo. Dois meses antes de deixar Santa Cruz, a missão no Sudão onde havia chegado há nove meses, no meio de problemas que desafiavam os missionários, escreveu ao pai:

«A miséria humana esforça-se por nos tirar a paz do coração e a esperança de uma vida melhor; e nós, ao lado de J. C. crucificado, que padeceu por nós, exultamos no meio da má sorte, mantendo intacta essa paz preciosa que só ao pé da cruz e no pranto pode encontrar o verdadeiro servo de Deus.»

E remata: «Estamos no campo de batalha, repito, e é preciso lutar como valentes. Os grandes prémios e triunfos não se alcançam senão por meio de grandes fadigas, pesar e sofrimentos. Sirva-nos, pois, de acicate e de consolação a grandeza do prémio que nos espera no Céu e não nos perturbe nem atemorize a grandeza e dificuldade do combate.»

Mais tarde escreve que o medo não o afeta: «Comboni não tem medo de nada: nem das tormentas de Roma, nem dos temporais do Egipto, nem as nuvens de Verona. Tenho do meu lado os corações de Jesus e de Maria e isso me basta.»

É a fé que o sustenta: «a obra da conversão e regeneração dos negros será fundada, apesar de todos os obstáculos do inferno, porque a cabeça de Cristo é mais dura que a do Diabo. Coragem e Deus estará connosco.»

E aconselha os seus missionários a afinar pela mesma nota: «o verdadeiro apóstolo não deve ter medo de nenhuma dificuldade, nem sequer da morte. A cruz e o martírio são o seu triunfo.»

A confiança e a paz de coração que Comboni experimentou ao longo da sua vida tinham uma raiz mariana.

Ele vivia com três colegas numa aldeia da tribo dinca e queriam abrir uma missão entre o povo chiluque, mas o rei não deixou. Aliás, ameaçou os missionários.

Comboni escreve: «Nunca se pode ter medo quando vela por nós com piedoso afã Aquela que se denomina Rainha dos Apóstolos.»

E pergunta: «como estaria de braços cruzados a nossa Mãe e não havia de socorrer quatro filhos seus que procuram dá-la conhecer e amar por aquelas bárbaras gentes, entre as quais jamais brilhou a luz da verdade e nunca foi implantada a Cruz de seu divino Filho?».

Com Teresa de Ávila, rezamos os nossos medos em tempos de pandemia global: «Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem nada lhe falta: só Deus basta!»

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