16 de março de 2018

S. MIGUEL (AÇORES): ROMARIAS QUARESMAIS






Este ano, mais uma vez, participei nas Romarias Quaresmais da minha terra. Devo confessar que para mim, foi uma das mais penosas; o ideal é ter entre 30 e 50 anos para poder caminhar longas horas com chuva ou com calor. Este ano fomos agraciados com uma semana de tempestade, vento forte, chuva, granizo e… muito frio.

As Romarias (não confundir com as festas que em Portugal se realizam e que usam o mesmo nome), surgiram em meados do século XVI (1522), durante a última grande erupção vulcânica na Lagoa do Fogo, que atravessou a ilha, dividindo-a a meio, destruindo a então capital, Vila Franca do Campo. As pessoas apavoradas percorreram as Igrejas e lugares de culto onde se encontrasse uma imagem da Virgem Maria, procurando a sua intercessão.

O movimento eminentemente laical e só para homens, foi criando raízes e hoje está estruturado do seguinte modo: caminha-se uma semana completa; à frente vai a cruz pendurada ao pescoço de um adolescente. Cruz essa que é beijada à noite e no início do dia seguinte. Os romeiros formam duas filas, ocupando meia faixa de rodagem da estrada. Na parte final do “rancho” caminha o mestre (pessoa escolhida entre os romeiros e confirmada pelo pároco e com plenos poderes durante a caminhada), encerra o cortejo o “arrematador das almas”, nome simpático que se dá àquele que vem no fim do cortejo e cuja função é informar as pessoas sobre o número dos irmãos, proveniência e tomar nota de pedidos de oração (Pai-Nossos, Ave-marias, Glórias…). Ao número dos irmãos acrescenta-se mais três, Jesus, Maria e José. A quem pede uma Ave-maria, cada romeiro rezará uma e a pessoa rezará outra por cada romeiro, está é uma maneira simples de oração de intercessão.

A caminhada inicia-se pelas quatro da manhã e dura todo o dia. Faz-se uma média de 35/40 kms por dia, porque muitas vezes andamos aos ziguezagues entre igrejas capelas e oratórios.

Terminado o dia, o sino da paróquia onde se dorme dá um sinal para que a população venha receber e dar dormida aos romeiros.

Chegados a casa de quem oferece hospedagem, é feita uma oração, toma-se banho, janta-se e vai-se dormir… porque a canseira é grande. Muitas vezes as pessoas oferecem os seus quartos e vão dormir em sítios menos cómodos. Para compensar o romeiro deixa o terço pessoal já rezado para que a família o ofereça pelas suas intenções.

Diferenças entre as Romarias Quaresmais e caminhar a Fátima a pé:

Na romaria todos se tratam por irmãos. Todos os grupos (paroquiais) caminham no sentido dos porteiros do relógio, ficando o mar à esquerda. Raramente se ultrapassam e quando o têm de fazer abre-se alas e depois da saudação deixam-se passar pelo centro. Caminha-se em duas filas e ocupa-se sempre os mesmos lugares na fila. O mestre tem muito poder e é obedecido por todos. A Romaria Quaresmal não é um passeio, mas um tempo de sacrifício, penitência e oração. Ninguém fala enquanto se reza ou caminha, até que seja dada ordem em contrário. Ninguém fica para trás, só excecionalmente e com conhecimento do mestre. Ninguém abandona o grupo, seja pelo motivo que for e caso o tenha de fazer, só o faz com autorização do mestre, acompanha-o outro irmão. O mestre fala pouco; tem uma pequena campainha no bolso e quando toca todos páram, mas a reza continua até que ele diga “seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Indumentária: Roupa larga, xaile dobrado ao meio, contendo no meio um plástico para abrigo em caso de chuva, um saco de pano que serve de mochila para roupa, comida, produtos de higiene… (convém que pese pouco), lenço para a cabeça que abriga do frio do sol ou da chuva e um bordão que ajuda nas subidas e descidas.

Comida: A paróquia organiza-se e leva-nos uma refeição por dia. A outra, faz-se na casa onde se pernoita. O café é servido também por grupos que se organizam. Regra geral, o álcool não é permitido.

Orações: chegados a uma aldeia, rezamos em voz alta a Ave-maria e o Pai-Nosso; reza-se pelas intenções e necessidades das pessoas que ali vivem. Chegados à Igreja cantam-se as saudações à Virgem. Dentro da Igreja implora-se a proteção de Deus para os romeiros e para a comunidade cristã. O bispo diocesano dá uma lista de intenções para serem rezadas.

Pessoalmente, gosto de caminhar de madrugada em silêncio, tendo como música de fundo a oração dos irmãos. Vou fazendo revisão de vida e rezando por todos aqueles que me pedem. Pena é que a experiência de oração e fraternidade que experimentamos, fique tantas vezes só por aquela semana.

Pe. José Tavares
Missionário Comboniano

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