Um dos missionários da missão em Nyal, no Sudão do Sul, o comboniano mexicano P. Fernando Galarza, e um bom grupo de pessoas aguardavam a chegada do helicóptero a serviço das Nações Unidas que aterrissaria na poeirenta pista de pouso de Nyal, no Sudão do Sul, às 11.00 da manhã do dia 21 de dezembro de 2016. Entre os passageiros estava P. Raimundo Rocha, missionário comboniano brasileiro que chegaria à missão de Nyal para celebrar o natal com as comunidades afetadas pela guerra civil naquela região do Sudão do Sul nas duas semanas seguintes.
Celebrar o natal do Senhor num contexto de guerra é uma experiência que o P. Raimundo repete há quatro anos. Ele e seus companheiros missionários primeiro celebraram o natal com deslocados de guerra em Leer, em 2013, quando a guerra civil começava a ganhar contornos nos seus primeiros dez dias de confrontos. O natal entre os deslocados de guerra se repetiu em 2014, dessa vez na capital Juba, onde dezenas de milhares de deslocados ainda são mantidas nas bases de proteção da ONU. Fugindo dos conflitos e a procura de proteção, muita gente não pode celebrar a festa do nascimento de Jesus no ano anterior. Em 2014 foi como celebrar um «duplo natal».
O P. Raimundo manteve seu natal missionário itinerante em 2015. Dessa vez ele se juntou aos deslocados de guerra na base de proteção de civis da ONU, em Rubkona e Bentiu, que passam de cem mil. Em 2016 o missionário celebrou o natal entre as comunidades afetadas pela guerra pela quarta vez. Esse último natal foi celebrado na missão de Nyal, numa área relativamente calma da sua antiga missão em Leer.
Entre alguns aspectos comuns desse natal missionário itinerante está a alegria. O Natal é sempre uma festa muito alegre para o povo sul-sudanês que se junta aos milhares para esse grande evento. Além disso, o reencontro de P. Raimundo com o povo da missão de Leer e a celebração das festividades natalinas tem proporcionado momentos de grande alegria tanto para o povo quanto para o próprio missionário nessas idas e voltas da missão.
Outra característica comum dessa missão é a esperança de paz. As celebrações natalinas dos últimos quatro anos foram cheias de esperança e anseio por paz. Nem mesmo o ambiente hostil, ameaçador, às vezes tenso e incerto, resiste à poderosa força de paz trazida pelo Menino Jesus. Além disso, a acolhida, hospitalidade, generosidade e partilha do povo Nuer são sempre autênticas e constantes, apesar do ambiente de pobreza e muita necessidade.
Porém, para o P. Raimundo, esse natal foi mais especial. Poder retornar à sua antiga missão e celebrar com seu povo não tem preço e nada lhe tira a grande alegria vivida. O mesmo diga-se do povo que teve um natal mais alegre e de maior esperança de paz.
As comunidades são distantes e os três missionários em Nyal se dividiram para melhor servir ao povo. O P. Jacob Solomon, comboniano etíope, se deslocou à comunidade mais distante que leva um dia de caminhada para alcançar. O e. Fernando caminhou um pouco mais de seis horas para chegar a outro centro missionário. O P. Raimundo permaneceu na sede da missão, em Nyal, e se deslocou às comunidades mais próximas, localizadas a três horas de caminhada.
Nem a distância, o suor, o calo no pé impedem a alegria de ir ao encontro do povo em missão e anunciar-lhes o Evangelho em sua própria língua. É lindo de ver os jovens realizarem suas marchas com bandeiras, tambores e cantos numa profunda demonstração de orgulho de sua fé. Cada vez que o missionário seguia para uma nova comunidade, eles o acompanhavam como seus «guardiões» e diziam: «Vamos levar o nosso padre até a próxima comunidade». Lindo de ver também era o sorriso enorme das mães das quase setecentas crianças que foram batizadas. As dezenas de jovens que receberam a primeira Eucaristia e o Crisma o faziam com a convicção de quem está determinado a seguir Jesus Cristo.
Era comum, porém, ver jovens armados, como se estivessem prontos para o combate, mesmo não havendo conflito nas proximidades. Muitos deles ainda com rosto de criança, reflexo da triste realidade das «crianças-soldados». A cada dia chegava mais deslocados de guerras vindos de outras áreas. Rostos sofridos, estômagos vazios, longas caminhadas, horas a fio sentados em canoas pequenas feitas de palmeiras que seguem pelos pântanos do rio Nilo. Gente a procura de proteção, alimento, saúde... ou simplesmente procurando parentes. Muitos querem deixar o país e não conseguem.
Cada pessoa tem uma estória pra contar. Quantos já perderam a vida! Quantas mulheres violentadas! Quantas casas queimadas! Tudo isso para quê? Tudo fruto da maldade de corações gananciosos que querem poder e riqueza à custa de vidas inocentes. Ao longo desses anos de sofrimento o povo aprendeu a desenvolver mecanismos para lidar com esse tipo de situação e adquiriu uma enorme resiliência que lhes permite seguir adiante. Soma-se a isso a fé no Deus da vida, da misericórdia e da paz.
O Sudão do Sul começa o novo ano em relativa paz, apesar das incertezas e a ameaça da fome. Nesse contexto de guerra, os missionários continuam sendo presença solidária no meio desse povo sofrido e ajudam a construir a paz e a promover a justiça e reconciliação. O natal missionário itinerante não só anuncia o nascimento do Salvador e é fonte de alegria e esperança, como também é uma forma de não-violência ativa em situações de conflitos. O povo aprende que a verdadeira paz não se impõe com armas, ódio e perseguição. Ela chega na fragilidade de um Menino, o Emanuel, Príncipe da Paz.
P. Raimundo Rocha, mccj
Missionário Comboniano em Juba, Sudão do Sul
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