O P. Raimundo Rocha, missionário comboniano brasileiro que reside em Juba, faz o ponto da situação sobre a violência e morte que caiu sobre a capital mais jovem do mundo nos últimos dias de julho.
A vinda do exército de oposição à capital foi em cumprimento do acordo de paz assinado em agosto de 2015 que prevê o fim da guerra e a formação de um governo de unidade nacional entre as duas partes conflituantes, governo e oposição, até as próximas eleições em 2018. Os dois lados estiveram em guerra por mais de dois anos até o acordo de paz de agosto de 2015. Colocar dois exércitos na mesma cidade era talvez necessário como tentativa de busca da paz, reconciliação e governabilidade, mas também um grande risco de enfrentamento.
As tensões surgiram e aumentaram dias antes do dia da Independência, 9 de julho. Parecia que os dois lados estavam só esperando por um motivo para iniciar uma briga ou continuar a velha batalha. Na quinta-feira, dia 7 de julho, um grupo de soldados da oposição foi detido por soldados do governo enquanto faziam patrulhamento pela cidade. As tensões aumentaram e começou um tiroteio entre eles resultando na morte de cinco soldados do governo (SPLA) e soldados feridos da oposição (SPLA-IO). A situação foi logo contida e na sexta-feira, dia 8 de julho, marcada uma reunião para discutir a situação. O Presidente Salva Kiir deveria na ocasião fazer também um discurso à nação, pois era véspera do dia da Independência.
A reunião aconteceu no Palácio Presidencial (J1) com a presença do Presidente Salva Kiir Mayardit, Primeiro Vice-presidente Riek Machar Teny, e o Vice Presidente James Wanni Igga, seus oficiais e segurança pessoal. Centenas de soldados dos dois lados se aglomeram do lado de fora do Palácio Presidencial, ficando dentro somente a guarda pessoal dos líderes e alguns jornalistas.
Por volta das cinco da tarde de sexta-feira dia 8 de julho, um tiroteio intenso foi iniciado do lado de fora do Palácio Presidencial que durou por cerca duas horas. O combate se espalhou por outras partes da cidade. Por volta das sete da noite, quando houve calmaria, o Presidente e Primeiro Vice-presidente falaram em rede nacional e disseram não saber o que estava acontecendo. Os líderes pediram calma à população e disseram que tudo estava sobre controlo.
Ninguém sabe ao certo quem começou a trágica briga. Quando a briga terminou mais de 270 pessoas estavam mortas, incluindo civis. Há quem diga que essa briga teve relações com o incidente de quinta-feira à noite que deixou cinco soldados mortos. Certamente o momento era de muita tensão. Não ficou claro se houve algum atentado direto ao Primeiro Vice-presidente que foi escoltado à sua residência com segurança ainda naquela noite.
Novos combates
Sábado, dia 9 de julho, foi o dia da Independência, feriado nacional, mas sem comemoração por falta de dinheiro. Havia pouca movimentação na cidade. Sentia-se que o ambiente era de tensão, porém não houve nenhum combate nesse dia. No domingo, porém, por volta das 8.30 da manhã iniciaram intensos combates que duraram até a noite. Foram usadas artilharias pesadas em várias partes da cidade, sobretudo nas proximidades da residência do Primeiro Vice Presidente, Riek Machar, que fica próxima a um campo de mais de 28.000 deslocados de guerra e a residência da ONU, em Juba. Os combates continuaram na segunda-feira até a noite, mesmo com o governo dizendo que tudo estava sobre controlo.
Finalmente ao anoitecer de segunda-feira, dia 11 de julho, o Presidente Salva Kiir declarou um cessar-fogo imediato para valer a partir das 18.00h do mesmo dia. O Primeiro Vice-presidente, Riek Machar, ratificou o cessar-fogo e chamou suas tropas para o fim dos combates. Em seguida aconteceu uma aterrorizante meia hora de tiros, a maioria para o alto, e ninguém sabia o que estava acontecendo porque era na cidade inteira. Só mais tarde soube-se que era uma forma de celebrar o cessar-fogo. Desde então não houve mais tiroteio, apenas se escuta alguns tiros esporádicos durante a noite.
Os cinco dias de intensos combates deixaram centenas de mortos, inclusive civis, e quase 40 mil desabrigados que procuraram refúgio nas bases da ONU e nas igrejas ou fugiram para os povoados. Todo esse povo passa por grandes necessidades e a população inteira aterrorizada e indignada com mais guerra quando devia ser tempo de paz. Durante os combates aconteceram saques a residências, a mercados e lojas.
Como está a situação
Desde o cessar-fogo na segunda-feira, a situação no geral em Juba permanece calma, mas ainda se percebe certa tensão. Durante todo o dia de terça-feira (12/07/16) dois jatos de guerra e dois helicópteros armados sobrevoaram a cidade. A residência do Primeiro Vice Presidente foi bombardeada durante os combates, mas ele conseguiu sair antes do acontecido. Há informações de que houve também violência em Wau, Torit, Bentiu, Lainya, Leer e Kajo-Keji no interior do país. Não há confirmação se esses conflitos têm relação direta com a violência de Juba. Também não se sabe se a situação está calma nestas áreas.
As duas forças, SPLA e SPLA-IO, estiveram em Juba como cumprimento do acordo de paz. Depois dos combates a cidade está sobre o controle do governo (SPLA). As forças de oposição eram pouco mais de 1500 homens e tiveram perdas. Os demais estão em um lugar desconhecido com o Primeiro Vice-presidente.
Os civis que fugiram dos conflitos começam a voltar para casa. Algumas lojas reabriram. Há movimento pelas ruas, mas não como era antes. As pessoas se apressam em conseguir alimentos e outros itens. Tudo ficou excessivamente mais caro. Escolas ainda estão fechadas. Já não se ouve mais tiros nem barulho de aeronaves militares nesta quarta-feira.
Muitos estrangeiros deixam a cidade em voos fretados pelas embaixadas ou organizações não-governamentais. As fronteiras estão fechadas para cidadãos do Sudão do Sul. Somente estrangeiros podem deixar o país. Os voos regulares estão cancelados, mas há informações de que reiniciarão em breve. Há somente voos de evacuação. As redes de telemóveis e a internet continuam a funcionar normalmente.
A comunidade internacional e a ONU, como também as Igrejas e outras organizações, condenaram a violência em Juba. Pediram para que seja aberto um corredor para ajuda humanitária para a população atingida pelos conflitos e a reabertura do aeroporto. A ONU condenou a morte de três soldados das forças de paz e os ataques à base de proteção de civis que está sobre sua responsabilidade. Até o momento não se vê nenhuma tipo de intervenção internacional, além das ameaças de embargo a armas contra o Sudão do Sul por parte do Conselho de Segurança da ONU. Se o acordo de paz não fracassou, com certeza sofreu um grande golpe.
Embora a situação esteja sobre controlo e a calma e tranquilidade aos pouco retornam, há dúvidas se o atual cessar-fogo durará por muito tempo. Há temores de que os combates possam ser reiniciados e o país volte à guerra civil mais uma vez e com a participação de várias milícias. A situação está calma, pelo menos em Juba, mas é um pouco volátil e imprevisível.
Situação dos missionários
Há muitos missionários trabalhando no Sudão do Sul. Entre eles estão os Missionários Combonianos e Missionárias Combonianas, que são os pioneiros desde os tempos de São Daniel Comboni. Estes não sofreram violência direta, mas ficaram aterrorizados como toda a população. Os confrontos do dia 8 de julho se iniciaram a 500 metros da Casa Provincial dos Combonianos que fica perto da Residência e Palácio Presidenciais. Nos dias seguintes se espalharam por outras áreas onde residem mais missionários. Por quatro dias ninguém podia sair de casa. As atividades foram canceladas em Juba. Entre os que trabalham no interior, tudo seguia como de costume.
Os missionários resolveram não deixar o país, somente se houver novos combates e a situação se tornar insuportável. A situação continua calma e a expectativa é que as tensões desapareçam e a paz e tranquilidade sejam restabelecidas. Continuamos monitorando a situação e rezando pela paz. Agradecemos a todas as pessoas que se juntam a nós em oração neste momento difícil para o povo do Sudão do Sul.
Pe. Raimundo Rocha,
mccj
Caro Zé Vieira, continuamos unidos, na oração, ao nosso querido povo do Sudão do Sul e aos nossos confrades e a todos os missionários, as missionárias, e os homens e mulheres de boa vontade, que trabalham naquele País tão martirizado pela guerra. Um abraço. Arlindo.
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