29 de janeiro de 2015

JE SUIS RIEN…


O jornal satírico Charlie Hebdo publicou uma caricatura do Profeta Maomé em lágrimas com o cartaz «Je suis Charlie» e a legenda «Tudo está perdoado».

A capa apareceu uma semana depois do ataque de dois radicais islâmicos ao semanário parisiense que mataram uma dúzia de pessoas, incluindo oito jornalistas, a sete de Janeiro.

A edição teve pelo menos sete milhões de cópias vendidas em todo o mundo de vai continuar a ser reproduzida.

A caricatura de Maomé provocou uma onda de protestos no Sudão, Mauritânia, Nigéria, Argélia, Níger, Mali, Somália, Senegal, Paquistão, Jordânia, Faixa de Gaza, Iémen, Líbano, Chechénia, etc.

Os protestos mais violentos tiveram lugar no Níger: dez pessoas foram mortas e pelo menos 45 igrejas incendiadas. Os números são da BBC.

Um analista político explicou no Porto Canal como se chegou ao ataque: começou com Emanuel Kant e foi expondo como o laicismo francês tomou forma relegando o religioso para a esfera do privado e promovendo a sátira anti-religiosa como direito absoluto de expressão.

O comentador concluiu o seu longo arrazoado perante a entrevistadora atónita com um ditado popular: «Estavam mesmo a pedi-las!»

Estes acontecimentos – as mortes e a sátira laica – entristecem-me.

Nada justifica a morte de uma pessoa! Contudo, o respeito que a sociedade laica exige deve ser equilibrado com o respeito pelo outro, incluindo a sua (des)crença.

Os laicos do Charlie Hedbo, que se descreve como «jornal irresponsável» – incendiaram mais uma vez com os sentimentos dos muçulmanos radicais e foram os cristãos do Níger que levaram por medida.

O Islão proíbe a reprodução de Deus – e por arrastamento a de Maomé.

Os satiristas do Charlie Hebdo sabem disso, mas insistem em exercer o direito de liberdade de expressão caricaturando o Profeta.

A liberdade laica absoluta tem que tem que ter em conta a liberdade daqueles que achincalha, incluindo os cristãos.

Como disse o Papa Francisco no regresso da viagem às Filipinas, «na liberdade de expressão há limites. […] Não se pode provocar, não se pode insultar a fé dos outros, não se pode ridicularizar a fé.»

26 de janeiro de 2015

LMC EM PORTUGAL: 17 ANOS DE HISTÓRIA E MISSÃO

A ÉLIA GOMES é do Algarve está em MONGOUMBA, na República Centro Africana

A 25 de janeiro de 1998, na Maia, iniciou-se o caminho de discernimento e formação para leigos que, imbuídos e movidos pelo espírito de S. Daniel Comboni, se sentiam chamados à Missão, os Leigos Missionários Combonianos ou LMC em Portugal.

Começamos muitos e, com o tempo, só alguns fizeram caminho. No entanto, hoje, 17 anos depois, olhamos para trás e agradecemos a Deus o caminho feito, os formadores e responsáveis que nos acompanharam e acompanham, o tanto que lutamos para afirmar a vocação missionária como vocação que toca igualmente aos leigos, o tanto que vivemos e partilhamos…

Nestes 17 anos, 17 leigos missionários combonianos viveram a sua vocação além fronteiras: em Moçambique, no Brasil e na República Centro-Africana. Hoje, com uma dezena de formandos, continuamos a acreditar que a missão se faz por quantos se entregam e ousam dizer sim ao chamamento de Deus, seguindo os passos de Comboni, os passos deste “pai da África” que acreditou e lutou pela missão africana numa época em que todos desacreditavam deste projeto.

Hoje, o «salvar a África com a África» continua a mover-nos e, juntos, continuamos a pedir ao Senhor da messe que continue a mandar operários para a sua messe. De facto, a messe é imensa e os operários são demasiado poucos para responder a tão vasta obra missionária.

Atualmente, os Leigos Missionários Combonianos – a nível internacional – estão presentes em 19 países. De Portugal, temos duas LMC além fronteiras: a Márcia Costa em Moçambique e a Élia Gomes na RCA.

Pela especificidade destas missões (a escola industrial em Moçambique e a situação dos pigmeus na RCA), nem sempre é fácil respondermos a todas as necessidades (tanto por falta de gente como por falta de meios), mas contamos que, com a ajuda, oração e disponibilidade de todos quantos Deus for chamando, poderemos continuar a fazer causa comum com estes povos e a anunciar o Evangelho.

Juntos fazemos e vivemos a vocação e a missão. Continuemos o caminho!
LMC

18 de janeiro de 2015

ITINERÁRIO PRINCIPAL

© JVieira

A narrativa dos primeiros chamamentos de Jesus segundo o evangelista João que a liturgia nos propõe como palavra da salvação para hoje tem um número de pontos intrigantes e relevantes.

O texto evangélico (João 1, 35-42) coloca João Batista parado do outro lado do Jordão com dois discípulos. Ao ver Jesus passar diz: «Eis o Cordeiro de Deus.»

Cordeiro, na pobreza de palavras do aramaico, falado por João e por Jesus, também quer dizer servo, filho e pão! Jesus é tudo isso: cordeiro de Deus, servo, filho, pão repartido para a salvação do mundo.

A evocação de Jesus-Cordeiro de Deus leva-nos ao capítulo 12 do Livro do Êxodo, à cena da ceia pascal. Cada família tinha que matar um cordeiro de um ano sem mancha para marcar a casa com o seu sangue e escapar ao anjo da morte; e comer a sua carne para ganhar força para a longa viagem de libertação. Jesus, o cordeio de Deus, marca-nos com o seu sangue, faz-nos pertença de Deus, tirando-nos do pecado. É também o pão para o nosso caminhar!

Depois, para ver Jesus passar é preciso estar parado! A nossa vida tornou-se num corrupio onde há pouco espaço e tempo para o outro. Temos que parar para ver Jesus passar. E ouvir: «Que quereis?», as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de João.

São as palavras que Jesus nos dirige hoje aos que enchemos as igrejas e aos que ficaram em casa. São palavras novas e cheias de memória, de história.

Os discípulos responderam: «Onde moras?» Querem conhecer o Jesus doméstico, queriam ser seus íntimos. Não o convidaram para um copo, para uma conversa fiada, mas quiseram ir a sua casa.

E Jesus responde: «Vinde ver!»

Todos somos convidados a ver onde Jesus vive! Ele hoje vive nos pobres, nos refugiados, nos indocumentados, nos abusados, nos violentados, nos doentes terminais, nos ladrões, nos drogados, nos jihadistas… É aí, nas periferias da sociedade e da história, que somos chamados a ficar com Jesus, a permanecer depois da hora décima, as quatro da tarde, a partilhar a noite…

E de onde regressamos para anunciar: «Encontrámos o Ungido!» e levar outros a Jesus como André, o chamado-chamador, fez com Pedro seu irmão.

E dá-se o milagre do novo nome que é identidade e missão: «Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas», pedra esburacada, caverna que dá protecção a quem precisa. Não rocha firme, mas comida pela erosão, pelo tempo.

A rocha firme é o Senhor!

5 de janeiro de 2015

ROSAS & ESPINHOS


As flores são bonitas e podem produzir riqueza, mas também podem ser um problema. Por exemplo, as da África Oriental, que chegam a Portugal.

Em Dezembro de 2005 visitei a Etiópia com dois jornalistas amigos. Enquanto viajávamos de Adis-Abeba para Awassa, chamou-me a atenção uma linha extensa de estufas que não estavam junto ao lago Zwai cinco anos antes, quando deixei o país. A maioria estava ainda em acabamento, mas algumas já estavam a operar. Como sou muito curioso parei e fui ver o que crescia nelas. Eram flores!

A floricultura é uma indústria que está a criar grandes raízes na África Oriental, sobretudo no Vale de Rift, que também é o berço da humanidade. O Quénia está à cabeça da produção: em 2014, exportou 125 mil toneladas de flores, sobretudo para a Europa, e embolsou 432 milhões de euros. As flores sustentam cerca de dois milhões de famílias quenianas.

Mas a Etiópia está a posicionar-se como concorrente directa do Quénia: a mão-de-obra é mais barata, há mais segurança para os trabalhadores estrangeiros e o Governo está a incentivar o investimento internacional com um pacote de benesses: não cobra impostos durante cinco anos nem custos alfandegários à maquinaria importada e facilita o acesso ao crédito. O clima e a abundância de solos e de água são outros argumentos de peso.

Em 1997, o país tinha duas pequenas companhias privadas a produzir flores, mas hoje conta com 84 – 70 delas com capitais estrangeiros, sobretudo da Holanda, Índia, Reino Unido e Grécia.

Setenta por cento das flores da Etiópia acabam na Holanda, mas também na Nigéria, Sudão e Omã. A Portugal chegam, através da Holanda, rosas, próteas, hibiscos, helicónias, cravos. Em 2001, a indústria facturou 537 mil euros. Dez anos depois já ia nos 145 milhões. Em 2016, projecta ganhar 448 milhões. Nos últimos cinco anos, criou cem mil postos de trabalho, sobretudo para mulheres, e reduziu a taxa de criminalidade.

A Etiópia é o segundo produtor africano e o quarto mundial não europeu de flores. Tanzânia, Uganda, Ruanda, Zimbabué, Namíbia e África do Sul são outros países africanos com alguma expressão produtiva.

Mas as rosas têm espinhos e a floricultura não foge à regra. As condições de trabalho nas estufas são precárias, muitos trabalhadores recebem menos de um euro por dia e não têm equipamento adequado para manusear os químicos que os envenenam e aos solos e águas. As mulheres não têm direito a licença de parto e arriscam-se a perder o trabalho quando dão à luz. Os trabalhadores vivem alojados em instalações superlotadas e inadequadas, o que pode levar à difusão da sida.

Por outro lado, a indústria necessita de muita água – um pé de rosa «bebe» um litro e meio por dia e o Quénia produz 72 milhões por ano (um terço chega à Europa) – e não é amiga do ambiente. O lago de Naivasha, no Centro do Quénia, alimenta a produção intensiva de flores e o seu nível está a baixar, muitos peixes aparecem mortos e a vida selvagem diminui nas suas margens.

As flores são um produto de luxo e o seu mercado depende da disponibilidade financeira da Europa – que a crise do euro limitou – e dos preços do petróleo já que o seu transporte se faz exclusivamente de avião. A produção do Quénia registou uma quebra em consequência da retracção do mercado europeu e está a abrir-se à Rússia, ao Japão e à Coreia do Sul.

A indústria tenta soluções inovadoras para limitar os danos ambientais, e sobretudo a pressão de organizações não governamentais que a têm debaixo do radar, e melhorar as condições de trabalho.

No Quénia as rosas já são produzidas em caixas em vez do solo e usam cinzas vulcânicas como fertilizante, insectos para controlar pestes e fibras de coco para baixar o consumo de água. Os defensores da indústria sublinham que há uma grande procura de flores na Europa e que a sua criação na África Oriental, em lugar do Velho Continente, produz menos dióxido de carbono por haver mais luz e melhores temperaturas. Mas ainda se está longe de uma floricultura orgânica, amiga do produtor e do ambiente.