Como missionários somos chamados a explorar a
cordialidade como atitude evangelizadora que brota da contemplação do Coração escancarado
de Cristo e nos leva a ver o mundo e a missão através do olhar misericordioso
do coração ao jeito de São Daniel Comboni.
O coração é um símbolo poderoso e constante na linguagem de
Daniel Comboni. Nos Escritos, a palavra aparece 1046 vezes no singular e
229 vezes no plural.
No preâmbulo da quarta edição do Plano para a Regeneração da
África Central, escreve: «O católico, habituado a julgar as coisas com a luz
que lhe vem do alto, olhou a África não através do miserável prisma dos
interesses humanos, mas do puro raio da sua fé [… e]sentiu que o seu coração
palpitava mais fortemente; e uma força divina pareceu empurrá-lo para aquelas
bárbaras terras, para apertar entre os seus braços e dar um ósculo de paz e de
amor àqueles infelizes irmãos seus» (Escritos 2741).
Comboni contrasta assim a atitude cordial do «filantropo
cristão» que acelera as batidas do coração perante a situação africana com os
interesses das potências europeias que queriam civilizar a África e «obrigar a
natureza a revelar também naquelas imensas regiões os tesouros virgens das suas
enormes produções em benefício da família humana» (Escritos 2740).
E continua: «A desoladora ideia de ver suspensa, talvez por
muitos séculos, a obra da Igreja em favor de tantos milhões de almas que gemem
ainda nas trevas e na sombra da morte, deve ferir profundamente e magoar o
coração de todo o devoto e fiel católico, inflamado do espírito da caridade de
Jesus Cristo.» (Escritos 2752).
DO CÉREBRO AO CORAÇÃO
Foi o Papa Francisco que me despertou para a cordialidade
como lugar teológico e virtude cristã. Ele emprega a palavra cordial oito vezes
na Exortação A alegria do Evangelho (EG).
Como homens, estamos habituados a funcionar a partir da
razão: somos mais cerebrais que cordiais, mais efetivos que afetivos. A
conversão – metanoia em grego – significa literalmente ver para além (meta)
da mente, intelecto razão (noia). Daí o grande convite e desafio de
Jesus: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos,
que Eu hei de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei
de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o
vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve»
(Mt 11:28-30).
Somos convidados a caminhar do cérebro para o coração. A cordialidade – a capacidade de viver a partir do coração – leva-nos a aprender do coração manso e humilde de Cristo em contraste com a arrogância agressiva do «euismo» individualista globalizado e dominante que «favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas» (EG 67), que em conjunto com a crise de identidade e o declínio de fervor debilita os evangelizadores (EG 78) e «divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o próprio bem-estar» (EG 99), uma forma de hedonismo pagão (EG 193).
Somos convidados a caminhar do cérebro para o coração. A cordialidade – a capacidade de viver a partir do coração – leva-nos a aprender do coração manso e humilde de Cristo em contraste com a arrogância agressiva do «euismo» individualista globalizado e dominante que «favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas» (EG 67), que em conjunto com a crise de identidade e o declínio de fervor debilita os evangelizadores (EG 78) e «divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o próprio bem-estar» (EG 99), uma forma de hedonismo pagão (EG 193).
A sociedade contemporânea é altamente competitiva,
agressiva, agressora e neurótica. No Sermão da Montanha, a magna carta do
cristianismo que tanto tem impressionado não cristãos como Gandhi, Jesus
recorda-nos que os mansos são felizes porque possuirão a terra (Mt 5:5).
Jesus também nos convida a viver a partir do coração: «Ide aprender o que significa: Prefiro a
misericórdia ao sacrifício» (Mt 9:13). O que nos leva de novo às
bem-aventuranças: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia»
(Mt 5:7). E a outro dito de Jesus: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é
misericordioso» (Lc 6:36).
Misericórdia vem do latim, é composta por miser (mísero,
infeliz) + cor (coração) e o sufixo ia e significando a
capacidade de sentir a desgraça alheia. Este é o jeito de Deus, viver assim é
ser imagem e semelhança de Deus!
A misericórdia é parte integrante da experiência cristã.
Zacarias, o pai do Batista, bendiz o mistério da encarnação como visita do
coração misericordioso do nosso Deus (Lc 1:78).
Daniel Comboni queria os seus missionários «santos e
capazes». E define a capacidade como caridade: «Antes de tudo, devam ser santos, isto é,
completamente alheios ao pecado e à ofensa a Deus, e humildes; isso não basta:
precisam de ter caridade, que é a que os torna capazes» (Escritos
6655). Aliás, o amor é a via ordinária da experiência de Deus: «Aquele que não
ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor» (1 Jo 4:8).
Celebrar o Coração de Cristo, é fazer memória da cordialidade
misericordiosa de Jesus que veio para chamar não os justos mas os pecadores à «metanoia»
(Lc 5:32), a ir para além da mente e viver a partir do coração porque Deus nos
quer «discípulos missionários» (EG 89-90) segundo o seu coração (Act 13:22).
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