19 de março de 2014

SONHAR DEUS


Mateus conta no seu evangelho que Deus falava com José, o carpinteiro de Nazaré, através de um anjo em sonhos. Este é um lugar-comum na Bíblia: Deus fala em sonhos desde Abimelech, um contemporâneo de Abraão (Génesis 20:3).

A Bíblia, o repositório do sonho de Deus, é um livro habitado por imensos sonhadores mais os respetivos sonhos com pesadelos à mistura. Um dicionário bíblico lista mais de 120 passagens – quase todas do Testamento Hebraico – sobre sonho, sonhador e sonhar.

António Gedeão escreveu no inspirado poema Pedra Filosofal: «Eles não sabem, nem sonham, / que o sonho comanda a vida, / que sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança.»

Os sonhos são um alçapão de acesso ao nosso mundo mais profundo. Aquilo que sonhamos é o que queremos ou o que nos preocupa. Há terapias baseadas no estudo do conteúdo dos sonhos. Segismundo Freud, o pai da psicanálise, falava dos sonhos como expressão de desejos reprimidos.

Escrevi a palavra Sonhos no Google e saíram 16.4 milhões de ligações, incluindo receitas para cozinhar os sonhos doces de farinha fofa.

Mateus diz que os diálogos entre José, o artesão de Nazaré, e Deus deram-se através do sonho. Não porque José fosse um grande dorminhoco, mas porque era habitado por Deus.

Mateus conta-nos que a anunciação a José aconteceu num sonho durante a noite: «Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: “José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.” […] Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa» (Mt 1: 18-21. 24).

José sonha o projeto de Deus, toma consciência e age de acordo.

Deus volta a falar-lhe em sonhos para o mandar para o exílio do Egito com a família e escapar à perseguição de Herodes (Mt 2: 13) e para regressar à Palestina depois da morte do perseguidor (Mt 2:19-20).

José «sonha» Deus durante o sono porque está cheio de Deus. Os sonhos falam dos lugares, dos acontecimentos e das pessoas que habitam a nossa profundidade mais recôndita.

Mateus diz que José é um homem justo. Ao jeito de Noé que «era um homem justo e perfeito, entre os homens do seu tempo, e andava sempre com Deus» (Génesis 6:9). José era um homem de Deus, porque como Yosef significa em hebraico Ele – Deus – acrescenta, multiplica.

Para o Papa Francisco, «José era um homem que sempre dava ouvidos à voz de Deus, profundamente sensível à sua vontade secreta, um homem atento às mensagens que lhe vinham do profundo do coração e do alto.»

Comboni tinha uma grande devoção ao «Patriarca São José», como lhe chamava. As suas cartas estão cheias de referências ao pai adotivo de Jesus, o santo ecónomo em quem depositava enorme confiança.

Destaco esta passagem de uma carta de 21 de Junho de 1878 ao Cardeal João Simioni a dar conta da grande seca e fome que afetava o Cordofão, no Sudão, e que fez milhares de mortes: «Nós lutamos com resignação e coragem no meio do flagelo da carestia. Quando na Itália o pão sobe até custar três vezes mais do que o preço normal, diz-se que há carestia. Aqui o pão e as coisas de primeira necessidade custam de oito a doze vezes mais que o normal. Por exemplo, ontem paguei o durra (o milho daqui) onze vezes mais caro do que o pagava em 1875. A água no Cordofão tem ainda um preço elevado. Não há memória de tanta miséria nestes lugares. Mas paciência! Nas barbas de S. José há milhares e milhões; e eu tenho-o assaltado de tal maneira e tenho-o feito acometer de tanta oração, que estou seguríssimo que a crítica situação actual da África Central se trocará dentro de não muito tempo em prosperidade. O tempo das desgraças passa, nós fazemo-nos velhos; mas S. José é sempre jovem, tem sempre bom coração e intenção recta e ama sempre o Seu Jesus e os interesses da sua glória. E a conversão da África Central representa um interesse grande e permanente para a glória de Jesus» (Escritos 5197).

A confiança em São José devolveu a esperança no caos da carestia e a certeza de que a situação ia melhorar.

Viva São José! Vivam todos os pais do mundo!

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