29 de janeiro de 2014

OS ELEFANTES

Salva Kiir Mayardit | Riek  Machar Teny

 O Sudão do Sul voltou a descer aos infernos da guerra depois de oito anos de paz: 700 mil deslocados e mais de dez mil mortos é o resultado de uma luta pelo poder com contornos étnicos.

Diz um ditado africano que quando dois elefantes lutam, o capim é que sofre. Esta era a triste realidade dos sul-sudaneses no virar de ano. A violência estalou a 15 de Dezembro em Juba quando soldados das etnias Dinca e Nuer, da Guarda Republicana, se envolveram em confrontos violentos. O conflito galgou os quartéis e transformou-se numa verdadeira caça ao nuer nos bairros populares da capital. De Juba, a violência étnica alastrou a três Estados com populações mistas de dincas e nueres, os dois grupos étnicos maioritários no Sudão do Sul com um historial de confrontos, incluindo a chacina de 2000 dincas por milícias nueres em 1991, em Bor, a capital de Jonglei.

O rastilho da violência começou a arder em Fevereiro de 2013 durante uma reunião do Bureau Político do SPLM, o partido que detém o poder no Sudão do Sul desde a assinatura de paz com o Sudão, em Janeiro de 2005. Da agenda constava a discussão da Constituição, Programa, Código de Disciplina e Regras e Regulamentos do partido. Mas tudo mudou quando o vice-presidente, Riek Machar, o secretário-geral, Pagam Amum, e Rebecca Nyandeng, viúva de John Garang, o fundador do partido, disseram que iam disputar a liderança do SPLM na Convenção Nacional de Maio. Os pretendentes estavam convencidos, como a maioria dos analistas, que o presidente Salva Kiir, uma personalidade cinzenta, não ia concorrer às eleições de 2015. Mas Kiir, talvez mal aconselhado pelo círculo de interesses que se move à sua volta, decidiu manter-se no poder e começou a manobrar para acantonar os históricos do partido que contestavam a linha autoritária que estava a impor ao SPLM. Em finais de Julho, demitiu o Governo em bloco e destituiu o vice-presidente Machar, que durante a guerra civil tinha alinhado por algum tempo com Cartum depois de um desacordo com Garang.

Kiir também destituiu os órgãos políticos do partido alegando que a sua validade tinha caducado com o adiamento da Convenção Nacional. Entretanto, convocou o Conselho de Libertação Nacional em meados de Dezembro, passando por cima do Bureau Político que estatutariamente é o órgão que prepara a agenda do Conselho.

Os confrontos entre tropas dincas e nueres da Guarda Republicana aconteceram no final do Conselho, a 15 de Dezembro. Para a maioria dos analistas, tratou-se de uma rixa entre soldados por causa de uma ordem de desarmamento dada pelo presidente. Kiir apareceu na TV vestido de general – apesar de ter deixado as Forças Armadas para se candidatar à presidência em 2010 – e acusou Machar de ter tentado derrubá-lo com o apoio de uma dúzia de ex-ministros e outras figuras cimeiras do SPLM, usando a oportunidade para mandar prender os históricos que lhe faziam sombra.

Os confrontos alastraram-se a mais três Estados numa deriva étnica entre Nueres e Dincas, que para o bispo católico Paride Taban, vice-presidente da Comissão Nacional de Reconciliação, são tribos primas e vizinhas, instrumentalizadas pelos políticos. Os confrontos registam já dez mil mortos.

A Igreja e a comunidade internacional foram rápidas a exigir a Kiir e Machar que abandonassem a via da violência e remetessem a luta pelo poder para dentro dos órgãos do partido. A Missão da ONU para o Sudão do Sul dobrou o número de capacetes azuis de seis para 12 mil para proteger os cerca de 700 mil civis, deslocados internos, que se refugiaram nas bases da missão, nos adros das igrejas, nas ilhas do Nilo Branco e nos Estados e países vizinhos.


O processo nacional de reconciliação pós-independência, já de si muito complicado, encontrou agora novas dificuldades que vão adiar ainda mais a construção de uma identidade nacional supratribal. E o espectro de uma guerra civil paira sobre o Sudão do Sul, três anos depois da independência.

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