23 de janeiro de 2014

«NÃO DEIXEMOS QUE NOS ROUBEM A ALEGRIA DA EVANGELIZAÇÃO»

©SAmado

Reclamar a alegria de sermos missionários aqui e agora é dos desafios mas importantes que temos à nossa frente como província e como indivíduos. Os missionários italianos que iniciaram a fundação em Portugal eram gente alegre – apesar das dificuldades inerentes a cada começo e dos problemas com a língua – e ainda são recordados por esse testemunho de gente simpática e de bem com a vida. E nós, os seus descendentes?

As canseiras apostólicas, a idade, as doenças, as desilusões da vida, a inércia, a acédia podem ter diluído o entusiamo e a alegria de sermos missionários de Jesus através da animação missionária da Igreja em Portugal e do serviço de formação e de outros encargos dentro da província e do Instituto. É normal. Por isso, temos que acolher cada dia a exortação de Paulo ao seu amigo Timóteo: «Recomendo que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti» (2Tm 1:6).

A exortação apostólica Evangelii gaudium (EG) ou A alegria do Evangelho que o Papa Francisco escreveu em obediência aos padres sinodais que participaram na xiii Assembleia-Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre «A nova evangelização para a transmissão da fé cristã» que teve lugar no Vaticano entre 7 e 28 de outubro de 2012 pode servir de pano de fundo para esta reclamação da nossa alegria.

O Papa Francisco escreveu que «o grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho. […] Muitos caem nele [risco], transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida» (EG 2). O sublinhado é meu.
Felizmente que esta experiência não é um beco sem saída e ultrapassa-se facilmente com o renovar do encontro pessoal com Jesus Cristo (EG 3) e o regresso ao outro.

Gostava de usar a parte segunda «Tentações dos agentes pastorais» (EG 76 a 109) do Capítulo ii «Na crise do compromisso comunitário» para desbravar caminhos que nos levem de novo à alegria.

A alegria é uma palavra transversal à Bíblia e um frequente habitante das suas páginas. Para mim a afirmação mais inspiradora encontra-se em Neemias 8. Os trolhas encarregados das obras de restauração do Templo de Jerusalém desenterraram dos escombros o Livro da Lei de Moisés e o sacerdote Esdras organizou uma mega celebração da Palavra junto à Porta das Águas. Um número de levitas leu e explicou o Livro durante um dia inteiro e criou uma grande comoção na multidão que não arredou pé. O governador Neemias no fim disse ao povo para preparar um bom jantar, bem regado com vinho doce e partilhado com os pobres porque «este é um dia grande, consagrado a Deus; não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a nossa força» (Ne 8:10).

Talvez será por isso que o povo na sua sabedoria milenar cunhou o ditado «um santo triste é um triste santo.»

O Papa Francisco, em «Tentações dos agentes pastorais», convida-nos a dizer não à acédia egoísta, ao pessimismo estéril, ao mundanismo espiritual e à guerra entre nós e sim a uma espiritualidade missionária e às relações novas geradas por Jesus Cristo. E lança sete desafios fundamentais: «Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário» (80); «não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização» (83) – que usei como título desta reflexão; «não deixemos que nos roubem a esperança» (86); «não deixemos que nos roubem a comunidade» (92); «não deixemos que nos roubem o Evangelho» (97); «não deixemos que nos roubem o amor fraterno» (101); e «não deixemos que nos roubem a força missionária» (109).
Ora aqui está: o entusiasmo missionário, a esperança, a comunidade, a fraternidade, a força missionária e o Evangelho são os percursos com os quais podemos reclamar a alegria de sermos missionários.


GLOBALIZAÇÃO DO INDIVIDUALISMO

O Papa Francisco recorda que a cultura globalizada em que vivemos é o desafio fundamental que enfrentamos (EG 76). E ajunta: «O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas» (EG 67).

De pessoas sociais e solidárias passamos a indivíduos solitários. Recordo na minha infância a prática de «dar a mão» com a qual os lavradores se entreajudavam desde a sementeira até à colheita organizando um calendário de vessadas, apanha da batata, esfolha do milho, vindima e apanha da azeitona e na gestão das águas comuns de levadas e tanques. O trabalho era animado com cantares ao desafio. Certamente que éramos mais pobres mas também mais felizes.

A urbanização juntou as pessoas em grandes aglomerados junto ao litoral ao mesmo tempo que as isolou. Passou-se da sociedade do nós à do eu com a exaltação do individualismo selvagem.

O Papa chama-lhe acédia egoísta. A acédia é uma palavra grega de tradução difícil: os mestres espirituais chamavam-lhe o demónio do meio-dia ou do meridiano. Tem a ver com preguiça, torpor, moleza espiritual, exaustão, apatia, melancolia, até mesmo depressão. Kathleen Norris escreveu Acedia & Me: A Marriage, Monks, and a Writer's Life, uma investigação muito interessante sobre esse tema.

O Papa Francisco caracteriza a acédia e os seus efeitos: «as pessoas sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna completos e fecundos. Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora» (EG 81).
E diz que as pessoas sentem-se exaustas não por excesso de trabalho, mas «nas atividades mal vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação e a torne desejável» (EG 82), juntando o irrealismo, o imediatismo, o sucesso e a vaidade como outros elementos que ajudam à «acédia pastoral» e geram o «pragmatismo cinzento da vida», «mesquinhez», «psicologia do túmulo», «tristeza melosa, sem esperança que se apodera do coração como «o mais precioso elixir do demónio”», «escuridão e cansaço interior» (Cfr EG 83).

PESSIMISMO DERROTISTA
Outra das tentações que nos pode afetar sobremaneira é o pessimismo derrotista. Volto a citar o Papa Francisco: «Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre» (EG 85).

Para vencer é preciso acreditar. Se partimos para uma atividade a pensar que não vai dar, não vai dar mesmo. Apesar de muitas vezes as situações pastorais em que estamos envolvidos na animação da Igreja local, na formação de futuros combonianos e nos diversos serviços provinciais e pastorais pareçam difíceis, não são impossíveis: não nos devem intimidar ou derrotar porque «o mau espírito da derrota é irmão da tentação de separar prematuramente o trigo do joio, resultado de uma desconfiança ansiosa e egocêntrica» (EG 85) como escreveu Francisco.

Vivemos numa sociedade «espiritualmente desertificada» em que o projeto comum é construído à margem de Deus negando as raízes cristãs da sociedade e da cultura. Lembro-me que quando visitei o Subiaco em 2003 – fazia parte das visitas guiadas dos capitulares – registei o sentimento que estava a contemplar uma das nascentes do grande caudal do génio europeu. Foi nas escarpas rochosas do monte Subiaco que Bento de Núrcia (480-547) sentiu a inspiração do ora et labora e deu corpo ao projeto beneditino que revolucionou a cultura e a agricultura na Europa e em Portugal.

É verdade que vivemos emersos num deserto espiritual mas uma das grandes descobertas do povo de Israel durante o êxodo de quarenta anos por uma sucessão de desertos é que Deus também se encontra no deserto e caminha com o seu povo. Por isso o autor do Deuteronómio escreve: «Eu vos conduzi durante quarenta anos pelo deserto, mas as roupas que vestíeis não se gastaram, e o calçado não se rompeu nos vossos pés» (Dt 29:4) e ainda: «A tua roupa não envelheceu sobre ti e os teus pés não incharam durante esses quarenta anos» (Dt 8:4).

O deserto é o lugar da tentação e do demónio – Jesus foi levado para o deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4:19) –, mas também é o lugar do encontro amoroso e sedutor com Deus: «É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração» (Os 2:16).

Nas palavras do Papa Francisco - que por sua vez cita o Papa Bento xvi - o deserto abre novos horizontes: «É precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós, homens e mulheres. No deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E, no deserto, existe sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança» (EG 86).

No novo êxodo, Deus caminha connosco para nos libertar das novas escravidões: tráfico de pessoas, droga, corrupção, fundamentalismo religioso, egoísmo económico que só vê o lucro e não respeita a terra e os seus ciclos de regeneração … para nomear alguns dos males que afetam o mundo de hoje, para nos abrir à solidariedade da partilha e da acolhida. Porque «somos pessoas-cântaro para dar de beber aos outros» (EG 86).

Um cântaro vazio ou furado não dá de beber a ninguém… Para darmos de beber aos outros temos primeiro de ir-nos encher à fonte da vida: «quem beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der há-de tornar-se nele em fonte de água que dá a vida eterna» (Jo 4:14).


REGRESSO AO OUTRO

A solução para os desafios do individualismo e do pessimismo passam pelo regresso ao outro!
Precisamos de uma espiritualidade de resistência cultural que nos sustente no remar contra a corrente, uma espiritualidade missionária que nos devolva o abraço e o encontro, redescobrindo a mística do viver juntos: «Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a «mística» de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada» (EG 87).

Demos uma olhadela à Regra de Vida: «O encontro pessoal com Cristo é o momento decisivo da vocação do missionário» (RV 21.1). No princípio da nossa vocação está o encontro pessoal com Cristo que ganha espessura e consistência através dos muitos encontros de que é tecida a nossa vida. A relação comprometida com Deus deve levar-nos a uma relação comprometida com os outros através de dinâmicas de comunhão e serviço (cf. EG 91).

Como Jeremias, temos que escolher o lado positivo da realidade: «Vejo o ramo da amendoeira», respondeu o profeta a Deus que lhe perguntou o que via (Jr 1:11). Ele podia ter dito que via a chuva que não parava de cair no inverno palestiniano, a humidade a agarrar-se-lhe aos ossos, a lama pegada nos seus pés. Mas preferiu fixar a amendoeira que anunciava a primavera com os seus rebentos.

Os ingleses têm um ditado interessante: Há sempre uma linha de prata numa nuvem negra. Cabe-nos eleger onde fixar o olhar: na positividade ou na negatividade da vida. Um olhar positivo alimenta a esperança.

Depois vivemos numa sociedade cardíaca e neurótica em que se «só estou bem onde não estou», como cantava António Variações. Para dar saúde ao nosso coração temos que aprender «a encontrar os demais com a atitude adequada, que é valorizá-los e aceitá-los como companheiros de estrada, sem resistências interiores. Melhor ainda, trata-se de aprender a descobrir Jesus no rosto dos outros, na sua voz, nas suas reivindicações; e aprender também a sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade» (EG 91).

Temos de aprender de Jesus que é manso e humilde de coração para encontrar alívio para o nosso espírito (Mt 11:29) ou, como escreveu S. Inácio de Antioquia aos Tralianos, «preciso da mansidão para vencer o Príncipe do mundo.»

Estamos treinados a adorar Jesus na Eucaristia. Temos que aprender a ver a sua presença real nos outros, a começar pelos confrades com quem vivemos e passando pelos pobres e mais abandonados.


MUNDANISMO ESPIRITUAL

O Papa Francisco é useiro e vezeiro na denúncia do carreirismo eclesial sobretudo na cúria vaticana. Falou disso várias vezes e em circunstâncias diferentes e não surpreende que o tema emerja na sua exortação apostólica. Ele denuncia a busca da glória humana e do bem-estar espiritual (EG 93) muitas vezes disfarçados atrás das aparências da religiosidade e do amor à Igreja. E diz que o gnosticismo - «uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos» (EG 94) – e o «neoplagianismo autorreferencial e prometeico» que vem do complexo de superioridade estão por detrás de um «elitismo narcisista e autoritário» que consome as energias a controlar em vez de abrir caminhos à graça de Deus.

Ele avisa: «Quem caiu neste mundanismo olha de cima e de longe, rejeita a profecia dos irmãos, desqualifica quem o questiona, faz ressaltar constantemente os erros alheios e vive obcecado pela aparência» (EG 97). É um comportamento humano normal atacar o mensageiro quando não se gosta da mensagem.

O papa argentino recorda que o centro da Igreja é o Evangelho enraizado na vida das pessoas e não as liturgias exibicionistas, a doutrina ou o prestígio eclesial.

O Papa situa a origem dos conflitos interpessoais na busca do poder, prestígio, prazer e segurança económica (EG 98).


COMUNIDADE SANADORA

As Regras de 1871 descrevem a congregação como cenáculo de apóstolos. Recordemos o texto original: «Este Instituto torna-se, pois, como um pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que saem do seu seio. E estes raios, que juntos resplandecem e aquecem, revelam necessariamente a natureza do centro de onde procedem» (Escritos 2648). Um confrade nosso no Sudão do Sul insurgia-se contra esta imagem da comunidade comboniana que apodava de ultrapassada e esvaziada de sentido nos dias de hoje. Mas eu acredito que o ícone continua válido! E noto que os raios resplandecem e aquecem quando estão juntos!
Kate Daniel escreveu que voltamos para casa para cada um para sermos curados e aclamados. A comunidade é o espaço de cura, perdão e reconciliação e também o lugar para o testemunho de comunhão fraterna, «que se torna fascinante e resplandecente» para um mundo marcado pela guerra, pela violência e «por um generalizado individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o próprio bem-estar» (EG 99).

O Papa Francisco escreve na sua simplicidade desarmante e profunda que «sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem» (EG 87).

Ele recorda que «o modo de nos relacionarmos com os outros que, em vez de nos adoecer, nos cura é uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom» (EG 92) e exorta a que não deixemos que nos roubem a comunidade.

Fraternidade mística, contemplativa que sabe ver a grandeza sagrada do outro.

A oração de intercessão também tem uma dimensão muito especial no processo de reconciliação que é fundamental para a vida comunitária. Tiago escreve: «Rezai uns pelos outros para que sareis» (Tg 5;16).

Recordo-me que quando chegamos a Lisboa em finais de 1985 o Mota e eu tínhamos muitos problemas com o P. Carlos Sobrinho que Deus tem. Era o superior da comunidade e comportava-se connosco como um padre-mestre ressabido, chato, crítico… A princípio custava-me aturá-lo e uma vez até fui bastante rude com ele. Um ano, fomos os dois fazer o retiro anual à Buraca com o clero diocesano e ele veio confessar-se a mim. Percebi as suas dificuldades e as suas lutas e… comecei a rezar por ele. A nossa relação mudou como da noite para o dia. Já não o via como um padre-mestre azedo, mas como um irmão que fazia um grande esforço para ultrapassar os limites de um carácter colérico.


OUTROS DESAFIOS

O Papa Francisco termina a secção sobre as tentações dos agentes de pastorais com oito parágrafos sob o título «Outros desafios eclesiais» em que aborda as questões dos leigo, das mulheres e dos jovens na Igreja (EG 102-108).

São temas genéricos, mas que nos podem dar algumas pistas indicativas na nossa relação com as Irmãs Missionárias Combonianas, Seculares, Leigos Missionários Combonianos, colaboradores, empregados, benfeitores, familiares e amigos e repensar o espaço que têm na nossa vida apostólica e pessoal.

O Papa escreve que «a formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral» (EG 102). E eu acrescentaria que a formação é uma dimensão a descobrir na nossa animação missionária.
A animação missionária é parte integrante da missão comboniana e a formação dos leigos para a missão deveria ser um elemento importante desse ministério. A formação dos leigos e o seu envolvimento na atividade missionária é uma maneira concreta de os ajudarmos a viverem o compromisso batismal que faz de nós todos missionários. O Papa escreve que «em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário» (EG 120).
A participação dos leigos na animação missionária deve ir para além do vender livros, distribuir envelopes e fazer assinaturas. Eles também devem ser atores dessa forma de evangelização sem precisarem de vestir albas, porque isso é uma forma de clericalização do laicado. Algumas comunidades têm uma experiência interessante com o envolvimento dos leigos na animação missionária que deviam ser inspiradoras.
O Papa Francisco também faz uma reflecção interessante sobre o tema incontornável do lugar da mulher na Igreja escrevendo que «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida social» (EG 103). Um tema que deveríamos ter em conta no nosso ministério.
Finalmente, o Papa argentino nota que a pastoral juvenil sofreu um abanão importante com «o impacto das mudanças sociais» (EG 105). A quem o dizes – pensamos nós e pensam sobretudo os colegas que trabalham no sector da pastoral vocacional.
Noto em alguns de nós uma certa ansiedade em relação à falta de vocações. A sobrevivência do homo combonianus parece estar ameaçada. Acho que como congregação nunca reflectimos tanto na formação como resposta a essa ameaça. Mas este período de «vacas magras» de vocações não nos deveria tirar o sono e deixar-nos à beira de um ataque de nervos. Porque a vocações é um dom de Deus! E também um mistério. A história da Igreja está cheia de ciclos de recessão e expansão vocacionais. Em vez de lamentarmos os insucessos deveríamos repensá-los juntos para descobrir novos modos e espaços de pastoral vocacional juvenil.
Vivemos numa cultura «pós-cristã» em que a fé está enfraquecida e os índices de natalidade são muito baixos. Sem bebés não há missionários! Por outro lado, os jovens de hoje levam muito mais tempo a amadurecer e preferem compromissos a prazo. Há uma nítida mudança epocal na juventude e o Papa pede que aprendamos «a falar-lhes na linguagem que eles entendem» (EG 105).
Os jovens de hoje não são uma geração rasca: talvez andem à rasca por causa de uma escola que os formata em vez de os educar para a vida e pela falta de saídas de emprego. Mas continuam generosos e solidários, «aderindo a várias formas de militância e voluntariado» (EG 106). Basta ver a disponibilidade para ajudarem no Banco Alimentar – umas das grandes iniciativas de sucesso nos nossos dias – e o uso das redes sociais para campanhas de solidariedade e denúncia.
Seguindo as indicações do papa argentino, temos de encontrar os jovens onde eles estão: nos movimentos e associações, os novos espaços das agregações (EG 105) e eu ajuntaria na universidade para além da paróquia e da escola.
Há uma afirmação do Papa que eu gostaria de reter: a escassez de vocações «fica-se a dever à falta de ardor apostólico contagioso nas comunidades, pelo que estas não entusiasmam nem fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes não são muito disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que desperta o desejo de se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização, especialmente se essa comunidade vivente reza insistentemente pelas vocações e tem a coragem de propor aos seus jovens um caminho de especial consagração» (EG 107). O Papa está a falar das comunidades em geral, mas temos que examinar até que ponto as comunidades combonianos se reveem neste diagnóstico.
O «vinde e vereis» (Jo 1:39) era importante para Jesus como método de pastoral vocacional e continua a ser importante para nós, hoje! Para as nossas comunidades serem contagiantes e fascinarem os jovens de hoje temos que recuperar a alegria de ser missionários aqui e tornar-nos e às nossas comunidades espaços de hospitalidade, encontro, de experiência de fraternidade e de Deus.

Termino com o último parágrafo desta secção: «Os desafios existem para ser superados. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária!» (EG 109). Como costumava a dizer a uma amiga minha que me repetia sem sessar «é difícil», «é difícil mas não é impossível!» Nós temos recursos interiores e comunitários necessários para dar a volta à situação e viver com generosidade a vocação de missionários do Evangelho da Alegria, uma alegria cordial que ninguém nos poderá tirar (Jo 16:22)!

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