24 de março de 2013

PEREGRINAÇÃO

Oitenta pessoas participam na peregrinação a Santa Cruz-Pan Nhom, organizada pelos Missionários Combonianos no âmbito do Ano da Fé. A maioria eram jovens das missões combonianas de Lomin, Tali, Mapuordit e Yirol, a comunidade anfitriã. Havia ainda uma dúzia de combonianas e combonianos mais um padre Fidei Donum da Coreia do Sul e um voluntário italiano.
Daniel Comboni mais cinco companheiros chegaram a Santa Cruz em Fevereiro de 1858, mas tiveram que abandonar o lugar 11 meses depois derrotados pela doença e morte.

A peregrinação começou a 12 de Março com a apresentação dos participantes e partilha de expectativas. Queríamos fazer memória de São Daniel Comboni e companheiros, celebrar o Ano da Fé e rezar pela eleição do novo papa que decorria no Vaticano e pela paz e reconciliação no Sudão do Sul.

No primeiro dia visitámos três capelas da paróquia de Santa Cruz de Yirol: Nyang, Nom Lau (um campo de retornados) e Biling. Nas duas primeiras rezámos juntos e o pároco, José Parladé, benzeu a estrutura da capela para os refugiados.

Em Biling fomos recebidos por mais de 1,000 pessoas. Imolaram um bode – que tivemos de saltar por cima à maneira Dinka de dar as boas-vindas – seguindo-se a recepção oficial debaixo de uma enorme árvore da família do mogno. As autoridades locais agradecerem a igreja e a escola primária com oito salas construída pelo padre Parladé e pediram a Deus que conservasse o comboniano espanhol por mais trinta anos. Também pediram um hospital, trabalho para as mulheres, um centro juvenil, um jardim infantil, poços… O único oficial que não pediu nada ofereceu talhões a quem quisesse construir casa em Biling. No final, almoçamos todos juntos e a equipa dos peregrinos jogou uma partida de futebol contra os locais e perdeu por quatro a dois. O dia encerrou com a eucaristia, o jantar e o visionamento de um filme sobre o patriarca José.

No segundo dia, depois da oração da manhã e do pequeno-almoço (chá e biscoitos), dirigimo-nos para Malek para rezar com a comunidade e fazer a celebração do perdão. A segunda paragem foi Lam Atot onde outro bode foi morto para dar as boas-vindas ao grupo.

Lam Atot é a comunidade mais distante da paróquia – a mais de hora e meia de carro – e só tem uma pequena estrutura de zinco e palha. A escola primária funciona debaixo das árvores. Depois do almoço, passámos a tarde a descansar e os mais jovens a jogar. O dia concluiu com a missa, janta e um filme sobre Jesus, em Dinka. De noite caíram umas pingas grossas que causaram algum alvoroço entre os peregrinos a dormir a céu aberto.

O terceiro dia começou às cinco da manhã: era o dia da caminhada para chegar a Pan Nhom e havia que começar cedo para não sermos derrotados pelo sol. Depois da oração da manhã e do pequeno-almoço, a caravana de dois camiões e quatro todo-o-terreno dirigiu-se para Pan Nhom. Primeiro problema: um pneu do camião de apoio foi cortado e o veículo ficou pelo caminho. Depois de uma hora de viagem – os guias diziam que 35 minutos chegavam – atingimos o fim da picada e ao princípio do pantanal. Deixámos os carros e começámos a jornada a pé. Os guias diziam que em duas horas estávamos em Pan Nhom mas quatro horas depois a caminhar sobre lama negra e pegadiça – que nos «roubava» o calçado – ou com a água pela cintura, chegámos ao segundo ponto de descanso – e ainda estávamos a quase duas horas do objectivo.

Era meio-dia e as contas eram fáceis de fazer: precisávamos de umas nove horas para chegar a Pan Nhom, estar lá um bocadinho e voltar aos carros – o que nos obrigava a caminhar no pântano durante a noite, comidos pelos mosquitos e sem luz para ver o caminho. E como a caminhada era supostamente curta não havia nem água nem comida. Quarenta e dois decidimos que era melhor ficar por onde estávamos. Trinta e oito, contudo, insistiram em chegar a Pan Nhom, incluindo o padre Michael Barton. 
Os que ficámos celebraram a Eucaristia debaixo de uma acácia. Na homilia falei de Santa Cruz e do sonho africano que virou pesadelo: o entusiasmo dos primeiros meses entre os dinkas e a derrota da malária. Mas também a capacidade de aprender com o fracasso e elaborar um plano global para a evangelização da África – que funcionou. Enfim, na vida não há becos sem saída nem experiências perdidas.

Depois da missa iniciamos o caminho de retorno: mais penoso e lento, porque as forças faltavam. Mas chegámos!

Para mim a caminhada de oito horas foi uma experiência de solidariedade e cuidado muito forte: jovens – moços e moças – preocupavam-se com os mais velhos, acompanham-nos, davam-nos a mão, uma palavra de encorajamento. Também foi bonito ver alguns pássaros e caminhar no Sudd, uma das zonas húmidas maiores do mundo, e sentir o silêncio cheio de vida. De animais grandes, só vimos os excrementos de um elefante.

Às oito e meia estávamos de volta a Yirol para descobrir que tínhamos um Papa novo que escolheu o nome de Francisco e veio da Argentina. Depois de um bom duche e da janta foi xixi-cama. O grupo que foi até Pan Nhom chegou às três da manhã.
A 15 de Março, aniversário de Daniel Comboni, encerrámos a peregrinação com uma missa de ação de graças por tudo ter corrido bem e pelo Papa Francisco. O ambiente era de festa apesar do cansaço. Uma peregrinação que se tornou parábola de vida.

1 comentário:

  1. Ah que pena que não pude participar mas a minha peregrinação ainda estava em curso depois de Agok em Rokon! Quem sabe da próxima vez!

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