Gostar de ler e viver em África são ingredientes básicos para uma experiência única. A África, o continente da tradição oral, continua a produzir contadores de estórias ímpares.
Descobri a literatura
africana através do angolano José Eduardo Agualusa, na Hora das Cigarras,
um programa que tinha na TSF, ao fim da tarde de sábado ou domingo; com
pequenos textos, autênticas pérolas da literatura, a introduzir canções
africanas. Seguiram-se romances como O Vendedor de Passados, sobre um
albino fazedor de árvores genealógicas.
Depois veio Mia
Couto, o inventor de palavras moçambicano. Cada parágrafo é uma surpresa, quer
pelo uso invulgar das palavras, característico de Moçambique – a situação
piorou muito bem – quer pelas (revira)voltas que as suas estórias dão e pelos
neologismos.
Pepetela também me
encanta pela crítica mordaz ao establishment angolano. Como em A
Montanha da Água Lilás, um conto sobre o petróleo – a água lilás – e os
problemas sociais, ou A Geração da
Utopia, uma história crítica do MPLA.
Entretanto, a missão
trouxe-me para África e descobri um sem-número de autores e obras. Destaco
três: a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e os sul-africanos Nadine Gordimer e
J. M. Coetzee, ambos Prémios Nobel da Literatura.
Chimamanda tem um
nome impronunciável, mas a sua escrita é pura arte de transmitir cheiros e
matizes da vida na Nigéria. Tem três livros: Half of a Yellow Sun
(Metade de um Sol amarelo) – um romance trágico sobre a falhada guerra da
independência do Biafra, Purpul Hibiscus (Hibisco Roxo) – sobre as
dificuldades da classe média num país marcado pela instabilidade política e a
crise económica, e The Things around Your Neck (As coisas à volta do teu
pescoço) – uma colectanea de estórias.
Gordimer encantou-me
com The Pickup (A Carrinha), um romance sobre emigrantes ilegais na
África do Sul e a complexidade das relações inter-raciais. Coetzee é um pintor
de retratos com palavras. Gostei de Slow Man (Homem Lento), uma história
sobre os problemas de um homem para se adaptar à vida e às relações
interpessoais depois de perder uma perna num acidente de viação, e Disgrace
(Desgraça), uma novela que retrata a África do Sul pós-apartheid através
das vicissitudes de um académico arruinado.
Finalmente, há uma
biografia que me tocou intensamente: chama-se What is the What (O Que É
o Quê) e conta a odisseia de Valentino Achak Deng, uma criança dinca de Marial
Bai que foge aos horrores da guerra civil do Sudão do Sul para a Etiópia – mais
de mil quilómetros a pé com milhares de outros pequenos rapazes perdidos (os
famosos Lost Boys) – e depois segue, sempre a pé, para Kakuma, um campo de
refugiados no Norte do Quénia, até que acaba por ir viver para os Estados
Unidos.
Neste Verão, ponha um
autor africano entre os seus livros de férias. Vai ver que vai gostar.
O programa A Hora das Cigarras, de José Eduardo Agualusa, continua a existir, mantendo o seu formato de sempre. Creio que nunca esteve na TSF, mas sim na RDP, onde continua a estar, nomeadamente na RDP África. A página do programa na Internet tem o seguinte endereço: http://www.rtp.pt/programa/radio/p1187.
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