4 de março de 2012

PETRÓLEO MALDITO



Exploração de petróleo em Thar Jath (Sudão do Sul) © JVieira

A Nigéria, o país mais populoso de África, parou durante vários dias no princípio do ano, e as relações entre o Sudão e o Sudão do Sul chegaram ao ponto de ruptura algumas semanas mais tarde. Duas histórias a milhas de distância mas com um denominador comum: o petróleo.

A Nigéria é o segundo maior produtor de petróleo em África, depois de Angola. Produz 1.9 milhões de barris de crude por dia, mas precisa de importar 85 por cento dos combustíveis que consome, porque, apesar dos incalculáveis milhares de milhões de dólares que arrecadou com a exploração do ouro negro, nunca construiu as refinarias de que precisa para abastecer a população. Em Janeiro, o governo de Goodluck Jonathan decidiu acabar com o subsídio à gasolina e os preços duplicaram de 75 para 150 nairas (em euros, mais ou menos de 40 para 80 cêntimos). Os sindicatos decretaram uma greve geral que paralisou o país, e ao fim de uma semana o governo teve que baixar o preço para cerca de 100 nairas para restabelecer a tranquilidade.

O petróleo representa a maior fonte de rendimento do Sudão (65 por cento) e do Sudão do Sul (98 por cento). Quando o Sudão do Sul proclamou a independência a 9 de Julho, os governos de Cartum e de Juba ainda não tinham negociado a questão do petróleo. O Sudão perdeu 75 por cento das jazidas, e o Sudão do Sul precisava de utilizar a infra-estrutura dos vizinhos do Norte para colocar o crude no mercado internacional. Juba ofereceu a Cartum uma ajuda económica de mais de dois mil milhões de euros, faseada ao longo de quatro anos para compensar o Sudão pela perda de rendimentos mais 60 cêntimos do euro por cada barril de petróleo que exportasse, mas por seu lado Cartum exigiu 30 euros. Os mediadores da União Africana não conseguiram que as partes chegassem a acordo, e o governo de Cartum começou a confiscar o crude do Sudão do Sul. O governo considerou a situação intolerável e decidiu suspender integralmente a extracção, até chegar a um acordo com o Sudão e construir um oleoduto para Lamu, um porto queniano no Oceano Índico, que por enquanto existe só no papel.

A ONU tem pressionado as partes para chegarem a um acordo e evitarem uma tragédia humanitária de grandes dimensões. O presidente sudanês Omar al Bashir já ameaçou com a guerra e Valerie Amos, a encarregada dos assuntos humanitários da ONU, alertou que, sem o petróleo, o governo do Sul e os seus parceiros não serão capazes de responder às necessidades básicas da população. Sem a extracção de petróleo não há dinheiro para pagar a funcionários ou fornecedores.

Apesar de o petróleo poder ser uma bênção – a Noruega criou um fundo para promover o actual bem-estar social e prevenir o das gerações futuras, na eventualidade de as jazidas virem a esgotar-se – em África tende a ser uma maldição. Angola, Nigéria, Líbia são casos emblemáticos. A indústria petrolífera gera milhões de euros diariamente mas a maioria da população vive em pobreza abjecta, porque a classe política (e militar) controla e canaliza os lucros para as suas contas pessoais. Dois terços dos 160 milhões de nigerianos vive com menos de €1,00 por dia apesar de o país produzir 1.9 milhões de barris de crude diários.

África, onde existem 19 produtores de petróleo, não pode tolerar a perpetuação de práticas de corrupção e nepotismo. Um continente onde coexistem formas extremas de pobreza e de ilegítima riqueza necessita urgentemente de transparência, na prestação pública de contas e na gestão da indústria petrolífera, desde a assinatura dos contratos até à comercialização. E é preciso, igualmente, pôr fim aos desmandos das multinacionais do petróleo, que não só corrompem e pactuam com os corruptos, como contribuem para degradar ainda  mais as condições de vida dos africanos. Porque são as comunidades locais, ou seja quem pouco ou nada beneficia com o negócio, quem sai sempre a perder. Pois estão sujeitas a todo o tipo de arbitrariedades: desde as deslocações em massa, que lhes roubam as suas terras ancestrais, para abrir espaço à instalação dos poços, até aos constantes derrames causados por estruturas mal concebidas, com escassa manutenção e vigilância, responsáveis pela contaminação dos rios, do mar, dos solos e do ar que respiram.

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