30 de julho de 2008

HEART

‘The heart can be a mysterious organ, the heart and its movements. Dark, the Spanish call it. The dark heart, el oscuro corazón. And are you sure you are not just a little dark-hearted, Paul, despite your good intensions?’
[…]
‘We would like to be simpler, Paul,’ she says, ‘every one of us. Particularly as we near the end. But we are complicated creatures, we human beings. That is our nature. You want me to be simpler. You want to be simpler yourself, more naked. Well, I gaze in wonderment, believe me, upon your efforts to strip yourself down. But it comes as a cost, the simple heart you so desire, the simple way of seeing the world. Look at me. What do you se?’
He is silent.

J.M. Coetzee em “Slow Man”

29 de julho de 2008

PAZ

Ir. Augusto Lopeta, dos Irmãos de São Martinho de Porres, fez 50 anos de vida religiosa.
Os quatro monsenhores de Juba
© JVieira

O arcebispo de Juba celebrou esta tarde uma missa pela paz. O evento era parte do calendário das celebrações dos 25 anos de Dom Paolino Lukudu Loro à frente da arquidiocese de Juba.
Durante a homilia, Dom Paolino sublinhou que o maior desafio à paz no Sul do Sudão é a ocupação ilegal de terras.
O arcebispo sublinhou que a terra é um dom de Deus para todos, mas que se deve respeitar a propriedade privada. Dom Paolino pediu aos cristãos que respeitem a terra e quem nela vive.
Durante a eucaristia quatro padres receberam as insígnias de monsenhores e capelães do papa. Dom Paolino apontou os quatro clérigos como exemplos de uma vida sacerdotal notável.
Um irmão, quatro irmãs, uma leiga e dois leigos receberam a medalha “Pela Igreja e pelo Papa” pelo empenho com que serviram a Igreja de Juba durante os últimos 25 nos. Dom Paolino chamou a Dona arcelina Ezaua, a arcebispa das legionárias de Maria.
Na celebração estiveram presentes os bispos de Yei e Rumbeke, o bispo auxiliar de Cartum e o bispo emérito de Torit. Meia centena de padres de todo o país concelebraram a Eucaristia.
Amanhã, há um jogo de futebol de seminaristas, irmãos e padres contra a Juventude Estudantil Cristã para disputar a Taça do Jubileu do Arcebispo.
Entretanto, o Governador de Central Equatoria decretou quinta-feira dia de feriado para os católicos para poderem participar no ponto alto das celebrações dos 25 anos de Dom Paolino Lukudu Loro à frente da diocese de Juba.

27 de julho de 2008

CARTA PASTORAL

© JVieira
O Arcebispo de Juba publicou hoje uma carta pastoral para marcar 25 anos como pastor da arquidiocese.
O documento, intitulado «Fazei-vos ao largo e lançai as redes», foi lido em todos as missas de hoje depois de ter sido apresentado aos jornalistas na sexta-feira.
Dom Paolino Lukudu Loro passa em revista 25 anos de pastoreio em Juba. Recorda que quando chegou a maioria do pessoal religioso era estrangeira. Hoje a arquidiocese conta com 54 padres – 50 foram ordenados por ele –, três diáconos, 39 seminaristas maiores e um bom número de religiosos e religiosas em duas congregações locais.
O Arcebispo de Juba presta homenagem aos padres e leigos que foram perseguidos durante o processo de islamização e arabização do Sul do Sudão. Recorda que o documento «Let my People Choose», preparado pelas Igrejas cristãs sudanesas, serviu de base ao Protocolo de Machakos, assinado entre o governo de Cartum e os rebeldes do SPLA (Exército de Libertação do Povo do Sudão). O protocolo consagra o direito do povo do Sul do Sudão à autodeterminação se assim o votar no referendo de 2011.
O Arcebispo Lukudu diz que a Igreja de Juba chegou à maioridade e pede aos católicos que sejam fiéis comprometidos, construtores activos das comunidades e tementes a Deus.
O Arcebispo aconselha o Governo semi-autónomo do Sul do Sudão a cumprir o Acordo Global de Paz assinado em 2005 em Naivasha – Quénia com o governo de Cartum, sobretudo os programas de boa governação.
Durante a conferência de imprensa que o Arcebispo deu na sexta-feira, reconheceu que o maior desafio que enfrentou em 25 anos à frente da arquidiocese de Juba foi a guerra de 1984 até 2005.
Dom Paolino disse que o papel da Igreja no referendo de 2011 é preparar as pessoas para que possam estar bem informadas sobre a escolha que têm que fazer – manter-se parte do Sudão ou tornar-se independentes – e que possam votar em liberdade e com consciência.
O arcebispo disse ainda que a urbanização é um fenómeno que deve ser travado. O Governo dele levar a cidade para as aldeias – disse, construindo escolas, centros de saúde, estradas para as pessoas poderem viver com dignidade.
Dom Paolino Lukudu Loro nasceu em 1940 perto de Juba, no Sul do Sudão. Ingressou nos Missionários Combonianos e foi ordenado em Verona – Itália, em 1970. Em 1974, foi nomeado Administrador Apostólico de El Obeid e sagrado bispo da mesma diocese em 1979. Em 19 de Fevereiro de 1983 foi nomeado arcebispo de Juba e a 31 de Julho do mesmo ano tomou posse da arquidiocese.

26 de julho de 2008

EDUCATION

© JVieira
Those days are gone!
We will fight for our rights
Equality is our new oxygen

25% in GOSS is just a resting point
The destination is 50% women representation
Soon, new crops of leaders
like the late Dr. John Garang and Joseph Lao
will be women
We have accepted leadership

Our room is no longer a kitchen but offices
We have discarded early marriage
We are no longer conditioned parasites
Education is our new farming tool and hunting weapon
We are glued to education

We have accepted
It is clear now
We have seen the road
The message is getting to our hearts

We are grateful to NESEI and Winrock
Your efforts are saluted
We are getting the tune
Don't give up on us
We have accepted education.


23 de julho de 2008

TESOURO

No tempo guardei os nadas
Que pelo tempo
Se transformaram
Em tesouros
São meus
São teus
São de quem os souber guardar
Naquela caixinha forte
E frágil,
Mas que os guarda
Que os transforma
Sem nunca os perder...

No tempo aprendi que um sorriso
Vale mais que um diamante
E uma esmeralda
Menos que uma palavra,
E duas mãos unidas
Mais que o ouro...

E que o amor é pintado
Nos corações...
Que tem o brilho dos diamantes
O som das esmeraldas
E os reflexos do ouro,
Mas...
Só o amor tem
A felicidade do amor!
DairHilail

21 de julho de 2008

EMPTY HANDS

His grandparents Rayment had six children. His parents had two. He had none. Six, two, one or none: all around him he sees the miserable sequence repeated. He used to think it made sense: in an overpopulated world, childlessness was surely a virtue, like peaceableness, like forbearance. Now, on the contrary, childlessness looks to him like madness, a herd madness, even a sin. What great good can there be than more life, more souls? How will heaven be filled if the earth ceases to send its cargoes?
When he arrives at the gate, St Paul (for other new souls it may be Peter but for him it ill be Paul) will be waiting. ‘Bless me father for I have sinned’, he will say. ‘And how have you sinned, my child?’ Then he will have no words to say, save to show his empty hands. ‘You sorry fellow,’ Paul will say, ‘you sorry, sorry fellow. Did you not understand why you were given life, the greatest gift of all?’ ‘When I was living I did not understand, father, but now I understand, now that it is too late; and believe me, father, I repent, I repent me, je me repens, and bitterly too.’ ‘Then pass,, Paul will say, and stand aside: ‘in the house of your Father there is room for all, even for the stupid lonely sheep.’


J.M. Coetzee em “Slow Man”

20 de julho de 2008

MANGALA


Residência paroquial
© JVieira

Hoje fui à missa a Mangala e adorei!
A paróquia, fundada em 1999, fica a uma hora e um quarto de Juba, na outra margem do Nilo Branco na estrada que pode vir a ligar Juba com Cartum.
A picada está em bom estado de conservação e bem guardada pelo SPLA, a tropa do Sul. Há troços que permitem viajar a 120 quilómetros por hora sem qualquer problema.
Dois seminaristas foram comigo para me ensinar o caminho. Para a próxima posso ir sozinho porque não há nada que enganar.
Um colega brasileiro, o padre Wellington, que trabalha mais a norte com os Nuer - e que está de passagem por Juba - veio connosco e fez sucesso com as suas dinâmicas com os jovens.
A igreja paroquial de Mangala é um velho nim, uma árvore frondosa e retorcida pelo tempo. Os bancos são as bobinas de metal que no passado eram usadas pela fábrica de fiação de algodão que entretanto fechou por causa da guerra.
Umas 100 pessoas tomaram parte na celebração que foi conduzida em bari – a língua local – e árabe. A maioria eram jovens!
Não percebi absolutamente nada do que se disse, cantou e rezou, mas vim com o coração cheio de paz. Os cânticos eram lindos, as pessoas estavam concentradas e ignoravam as motorizadas que passavam ao lado.
É lindo rezar com a gente simples e sentir toda a natureza a participar do louvar da comunidade: desde as aves com os seus trinados às cabras com os balidos.
Impressionou-me também a pobreza da «casa paroquial»: uma colecção de cabanas – que fazem de refeitório, quartos privados, casa-de-banho… Não há luz nem gerador.
Mas os três padres que assistem aquela paróquia impressionaram-me com o acolhimento e com a tranquilidade que deixavam transparecer. Talvez se trate da comunidade mais pobre da arquidiocese de Juba – juntamente com a missão que os combonianos estão a iniciar em Tali, no extremo da diocese – mas não deixa de ser um lugar cheio de vida.
A paróquia tem uma escola elementar até ao oitavo ano com quase 200 alunos e está colocada entre as melhores da região a nível de resultados do exame nacional do oitavo ano - o pároco, P. Lourenço Lodu, informou-me, orgulhoso.
Durante a missa chamou-me a atenção a «procissão» de gente a carregar sacos de comida e caixas de óleo da USAID.
Na quarta-feira um grupo de Mundaris atravessou o rio, tomou conta da administração de Mangala e começou a esvaziar o armazém do Programa de Alimentação Mundial.
As comunidades Bari e Mundari davam-se bem e casavam entre si. Mas os políticos estão a usar as diferenças tribais para fins menos claros – lamentou o P. Lourenço.

19 de julho de 2008

PARABÉNS


Nelson «Madiba» Mandela celebrou ontem 90 anos com os pobres no coração, apelando aos mais ricos da África do Sul para recordarem os deserdados.
«Há muita gente na África do Sul que é rica e que pode partilhar a riqueza com os menos afortunados que não foram capaz de conquistar a pobreza», disse Mandela.
Maldela passou os anos em Qunu, a aldeia natal, no Cabo Oriental, onde costumava guardar o gado. E lamentou que a pobreza ainda tenha uma pressão tão grande nas zonas rurais.
Madiba é o meu herói. Atravessou o inferno de Robben Island com o coração liberto de ódio e vingança e transformou um país profundamente dividido num imenso arco-íris.
Parabéns, Madiba!

17 de julho de 2008

TERTÚLIA

© GADO

O Cônsul Geral dos Estados Unido em Juba, Christopher Datta, convidou os jornalistas a trabalhar nos órgãos de comunicação da cidade para uma troca de ideias sobre as eleições gerais previstas para o próximo ano.
Uma dúzia de profissionais da informação (da rádio e jornais) aceitámos o convite e passámos quase duas horas, trocando impressões e informações.
Umas cervejas ou copos de vinho tinto ensopados com amêndoas e chamuças ajudaram a compor o ambiente.
A grande revelação: todas as tardes um membro da segurança do governo do Sul do Sudão visita a estação da rádio pública para ler o boletim árabe de notícias antes de este ir para o ar. E antes uma cópia do noticiário era enviada todos os dias para o ministro da Defesa.
Depois as estórias de casos de corrupção foram mais que muitas e abrangeram todos os sectores da sociedade: membros do governo, do exército, privados, sindicato de jornalistas… E o sentimento de impotência por não se poder revelar as razões porque os salários das tropas e dos professores estarem em atraso.
A maioria não acredita que as eleições previstas até Abril de 2009 venham a acontecer no próximo ano. Primeiro, é preciso que os resultados do recenseamento estejam prontos e os técnicos ainda nem sequer começaram a processar os dados recolhidos. Andam a aprender a usar «scaners» que processam 3000 documentos por hora, mas se avariarem têm que ser reparados por alguém que venha da Inglaterra.
A grande questão: o que é vai acontecer no referendo de 2011? Há quem pense que a auscultação da vontade popular sobre o futuro do Sul do Sudão – federação ou independência – nunca venha a acontecer. Uma nova guerra civil ou a declaração unilateral de independência podem ser alternativas ao exercício democrático.
Outra ideia em discussão: se o SPLM ganhar as eleições, os árabes aceitarão que Salva Kiir Mayardit seja presidente do Sudão? As dúvidas são mais que muitas.
A tertúlia foi um sucesso e decidiu-se repetir o encontro todos os meses. E o vinho tinto e as chamuças caíram muito bem depois de um dia de trabalho!

16 de julho de 2008

AL-BASHIR


O Juiz-Instrutor Luis Moreno-Ocampo, apresentou ao Tribunal Penal Internacional uma nota de culpa contra o presidente do Sudan na segunda-feira e requereu um mandado internacional de captura contra el-Bashir.
O juiz argentino acusou o presidente Omar el-Bashil de dirigir uma campanha de genocídio contra as tribos Fur, Masalit and Zaghawa, sendo responsável pela morte de 35 mil pessoas na região do Darfur.
Al-Bashir é acusado de crimes de genocídio e de guerra e crimes contra a humanidade.
O Governo sudanês reagiu mal à nota de culpa e ameaça que a situação no Darfur pode piorar ao mesmo tempo que não reconhece a jurisdição do TPI sobre o país.
A Liga Árabe diz hoje que a situação é muito séria e perigosa e que a decisão de indiciar o presidente sudanês foi tomada de ânimo leve.
Por seu turno, a União Africana alerta que a possível detenção do presidente al-Bashir pode criar um vazio de poder e uma situação semelhante à que se vive no Iraque.
A ONU, por seu turno, começou a retirar pessoal não essencial para a Etiópia e Uganda, temendo represálias, ao mesmo tempo que diz que tanto a missão no Darfur (UNAMID) como no Sudão (UNMIS) continuam com as actividades normais.
O Juiz Moreno-Ocampo conduziu a investigação no Darfur a pedido do Conselho de Segurança da ONU.

15 de julho de 2008

PROMISES

© JVieira

You promised Heaven and Earth,
The Sun and the Moon,
Stars and Galaxies.
And when the curtain fell at the last act
what remained?
The applause of sweet-sour memories,
a handful of nothing.
Yet, this is the stuff that makes life move on.

Thanks, anyway! Always!

14 de julho de 2008

SORRISO

© Cylia Sierra

No dia em que passar por ti e não te sorrir, será o dia em que precisarei de um sorriso teu.

Autor desconhecido

13 de julho de 2008

DARFUR

NAS MALHAS DA GUERRA

Ouvi distintamente o retinir de um contentor de água vazio no caminho pedregoso que me levava a Hai el Salam. Não olhei para trás; apenas me desloquei para a beira do caminho. O burro parou ao meu lado e uma voz convidou-me a subir para a carroça. Quem não conhece, em Nyala, a tão familiar carroça da água, que, desde manhãzinha ao pôr-do-sol, vai palmilhando ruas, caminhos e vielas na cidade e arredores?
Os meus olhos procuraram, em vão, um lugar onde me sentar. Mas não fiz disso motivo para recusar tão amável convite. Agradeci a mão do condutor que me ajudou a subir e, facilmente, ajeitei-me ao seu lado.
A carroça da água faz parte do quotidiano do Darfur. Fenómeno que se lhe possa comparar só o rakcha, triciclo motorizado com uma cobertura de lona, funcionando legalmente como meio de transporte público.
Sentado ao lado do jovem condutor, os meus olhos fixam-se na carroça, como se a vissem agora pela primeira vez. É uma caixa de folha metálica que o ferreiro transformou em contentor de água, assentando num eixo e duas rodas descartadas dos automóveis na sucata.
Naquela tarde, parece que não havia mais ninguém na rua onde a gente pusesse os olhos senão no estrangeiro sentado no topo da carroça-contentor de água. Os comentários abundaram, mas logo me habituei ao refrão:
- Maagul?! Shuf el khauaja el gharib da...! Possivel?! Não é coisa que se veja num estrangeiro!
Ao passar por casa da Farida, lá estava ela com os seus dois pequenos que a tinham chamado à porta. Deles ouvi palavras simpáticas:
- Wallahi jamil, ia abuna; queda quaiiess! Bonito de verdade, padre; assim está bem!.
De língua solta e palavra fácil, o Sabri – é este o nome do aguadeiro – não pára de falar, conversando simultaneamente comigo e os muitos amigos pelo caminho.
O animal de carga também faz parte da conversa mas, acaso não fosse pelo movimento do chicote no ar, não executaria prontamente as ordens do condutor.
- O burro vai num bailinho porque, graças a Deus, o contentor está vazio. Mas, quando está cheio, também tem força para mostrar. Ao voltarmos do poço do wadi, terás ocasião de ver que é verdade.
Outras carroças, irmãs da nossa, cruzam a passo lento e pesado. Vêm do poço do wadi, onde compraram água para mais um turno. Param à entrada desta e daquela porta, aligeirando a carga ao animal, a troco de 10 guirish por cada jerrican de água. O Sabri antecipou-se à minha pergunta e disse em forma de protesta:
- Preço demasiado barato. Além disso, o burro também não trabalha sem comer!
- Apesar de tudo, vejo que não tens urgência em mudar de emprego.
- Porque sei cativar a simpatia dos clientes. Se não fossem as gorjetas, já teria desistido.
O cruzamento à nossa frente, sem polícia nem semáforos, naquele momento, tornou-se demasiado pequeno e transformou-se enorme numa confusão. Um camião, automóveis ligeiros, carroças de cavalos, rakchas... Mas os burros com os seus contentores de água são a maioria. Está claramente visto ser eles a causa principal do engarrafamento e caos no tráfico. Os insultos enchem o ar, quase abafando o som das buzinas. Vêem-se chicotes e varapaus a querer fustigar não somente – pelo que parece – o dorso dos animais.
- Eh, Sabri, pára o animal! Vê lá onde te vais meter.
Mas o hábil condutor não necessitou da minha admonição. O asno obediente cortou à direita, na pequena e última oportunidade que lhe restou.
- Não achas que sois demasiadosos vendedores de água aqui em Nyala?
- Somos vários milhares. Há trabalho para todos e o número tende a aumentar. Desde que os Janjauids começaram os massacres nas aldeias é muito perigoso e arriscado viver fora da cidade. Mas aqui pode-se viver e trabalhar com certa segurança, mesmo que os aviões e helicópteros voem, baixinho, por cima das nossas cabeças.
- O teu nome árabe – Sabri – tem a ver com alguém que tem muita paciência, mas vejo também que a coragem é parte da tua bagagem.
- Por mais ruído e piruetas que façam no ar, o burro já se habituou. E eu também já não me assusto como antes.
Seguiram-se uns instantes de silêncio que Sabri interrompeu, com desilusão e tristeza:
- Não só não me assusto como antes mas quase não me importa saber se são aviões que vão atacar ou que vão socorrer. Às patrulhas dos soldados da paz (UNAMID) que vou encontrando no meu caminho tenho vontade de lhes gritar:
- Ide embora e não vos importeis com a paz no Darfur! Deixai cair sobre nós o destino dos muitos milhares de irmãos nossos que foram mortos nesta terra amaldiçoada!
A sua conversa continuou mas, desta vez, dirigida ao companheiro diário que puxa a carroça:
- Tu não sabes deste assunto, pois não?!.. És burro, mas vives feliz!
Depois de uma breve pausa, o meu amigo respirou fundo, olhou-me de frente e continuou no mesmo tom de desespero:
- Eu sei que a submissão a Deus é a base da nossa religião muçulmana. Porém, sinto uma revolta enorme quando recito a primeira sura do Alcorão em que louvo a grandeza de Deus Allahu Akbar, Deus é o Maior, ou simplesmente quando, na linguagem comum, agradeço com a frase típica também do sagrado Alcorão: El hamdu lillah, Graças a Deus. Acho impossível que, com tudo o que está a acontecer nesta terra do Darfur, Deus esteja do nosso lado.
Não obstante a fragilidade do momento e a delicadeza da questão para um muçulmano, ousei provocar o meu interlocutor:
- Será Deus que não está do nosso lado, ou serão os autores da guerra que não estão do lado de Deus?
Sabri não era dono de si mesmo para controlar as palavras que há pouco tinha pronunciado. Sinto o seu olhar confuso e exausto penetrar até ao fundo da minha alma. Tenho consciência da minha pobreza, mas sei que possuo um tesouro. O meu desejo e alegria é que a paz e a reconciliação que levo dentro de mim, fruto do Espírito de Jesus Cristo em quem eu creio, seja partilhado com este meu amigo sofredor.
O silêncio durou ainda alguns instantes. O animal, espontaneamente, parou. Penso no grupo de cristãos que estarão à minha espera. Mas, na presente circunstância, talvez eu seja melhor cristão se abdicar do meu apontamento para estar com Sabri.
Ele, muito agradecido, opôs-se totalmente:
- Gostaria de ir contigo até ao wadi mas, então, fica para outro dia. Obrigado pela boleia!”
- Foi bom estar contigo, khauaja, estrangeiro Desculpa lá a palavra, pois tu não és um khauaja como os outros. Sei que os cristãos te chamam abuna, mas eu não fui habituado assim. A nossa amizade não há-de ficar por aqui. Hei-de aparecer, um dia, na tua igreja, in cha Allah.
Mais uns minutos a pé e estou com o grupo dos pais dos baptizandos no centro católico de Hai el Salam.
Quando aviões e helicópteros voam baixinho, por cima das nossas cabeças, já não assustando o animal nem o seu dono...
Quando a vista e o ouvido ficam insensíveis e a pessoa se habitua à rotina da guerra...
Diz-se que o homem é um animal de hábitos. Deus nos livre de certos hábitos de consequências mortais.
Temo que muita gente aqui no Darfur se esteja a habituar à guerra. Há mortes pela espada ou catana, mortes pelo fogo, mortes pelas balas das kalashnikovs, mortos pela fome, pela tortura ou doença acelerada. Mas há outras mortes que não só a morte física. Vêem-se corpos ambulantes, mortos para uma vida digna dos humanos, aprisionados pela rede em que a guerra os deixou.
Os traumas psicológicos estão na ordem do dia. No momento em que escrevo está a decorrer um curso para animadores na sede da nossa diocese, em El Obeid. Nyala enviou três participantes que, por sua vez virão a contribuir para restabelecer, a nível local, a dignidade humana e o bem-estar psíquico das pessoas traumatizadas pela guerra.
Não era este o tema do encontro sobre o baptismo, programado para aquele dia em Hai el Salam, mas ficou a ser.
Sabri, não importa se me chamas khauaja ou abuna. O meu desejo é que encontres a paz contigo próprio; tu e tantos outros a quem a guerra apanhou nas malhas da sua rede.
Amigo simpático da carroça da água, não morreste às mãos dos Janjauid; não queiras agora ficar morto, privando-te da dignidade própria dos humanos e do teu bem-estar psíquico. A partir de hoje serás um dos beneficiários do serviço paroquial de Nyala, em favor dos traumatizados da guerra.
Fico à tua espera, como prometeste, in cha Allah!

Feliz Martins
Nyala - Darfur

9 de julho de 2008

DEATH


«Dying is not a sin» was the only thing she had come to say to him, and she gently placed her hand on her son’s glistening forehead, whereupon he closed his eyes and let his last tear fall. The last tear is death’s beginning.

Gil Courtemanche em «A Sunday at the Pool in Kigali»

8 de julho de 2008

DIAMANTE

© JVieira

A Ir. Mary Batchelor celebrou a 2 de Julho as Bodas de Diamante de vida religiosa. Esta australiana de 80 anos é freira há 60 nas Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração.
«Deus tem-me levado sobre as asas de uma águia», diz ao rever a sua longa vida.
A Ir. Mary é dona de um sorriso lindo e de uma vitalidade enorme.
Teve cinco irmãos e três irmãs. Três escolheram o sacerdócio e ela e outra irmã a vida religiosa.
Durante 40 anos dedicou-se à educação em escolas católicas na Austrália.
Aos 60 anos decidiu fazer as malas e rumar a África. Esteve sete anos na África do Sul. Depois veio para o Sul do Sudão e desde então tem vivido na missão de Mapuordit, na diocese de Rumbek. É a directora das duas escolas da missão – básica e secundária – que contam com 1500 alunos.
Os alunos chamam-lhe «Mary our diamond», Mary, o nosso diamante.
Durante as celebrações, alguém lhe disse que Mapuordit era o seu novo nome.
Os anciãos dedicaram-lhe uma canção em dinka comparando-a a uma vaca leiteira que alimenta a toda a gente.
A Ir. Mary achou piada à comparação. Olhando para trás, disse que se tivesse de começar de novo, escolhia a mesma forma de vida.

6 de julho de 2008

HEARTS

Being a human being is not a simple business. Our hearts are cauldrons full of diverse feelings: restlessness, emptiness, nostalgia, longing, alienation, paranoia, and loneliness. As the cauldron is stirred by the events of our lives, these feelings rise to the surface, and we find ourselves pushed and pulled in many directions all at the same time. The result, unless understood for what it really is, is a painful confusion and tension. This can easily lead to a lot of inexplicable unhappiness as we wonder why we are so restless and divided, why we cannot simply settle down and be relaxed.
Ronald Rolheiser em «The Restless Heart»