4 de junho de 2007

Uma cultura de partilha

No dia 3 de Dezembro de 2003, Deus dava-me a graça de voltar à Etiópia, pela segunda vez. Regressava ao mesmo povo de quem me tinha despedido há nove anos. Era o povo Sidamo, no Sul da Etiópia. A missão de Teticha, iniciada pelos Missionários Combonianos em 1974, era novamente o meu destino.
À volta da missão, crescia um grupo de pessoas eternamente dependentes das «esmolas» dos missionários, pessoas a quem os familiares negavam os gestos de solidariedade próprios da sua cultura.
Comecei por interpelar alguns líderes na área do ensino, da saúde e doutros sectores sociais. Eram jovens que se sentiam agradecidos à missão por lhes ter dado a possibilidade de crescer na vida, não só a nível cristão como também a nível humano. Com eles, começámos a projectar a criação de dois grupos: o grupo da Assistência aos Pobres e o grupo dos Trabalhadores Católicos. Através deles, deveria passar a ajuda aos necessitados e o apoio aos estudantes.
Na primeira sexta-feira de cada mês, ao celebrar o Coração de Jesus, a comunidade fazia um grande ofertório para os pobres. Alguns trabalhadores começaram a oferecer parte do seu salário para os mais carenciados. A Asteri Dubale, agradecida pelo seu primeiro emprego como assistente social, entregou parte do seu primeiro salário para os pobres. E o Lema Lalimo, engenheiro agrónomo, ao ser eleito para coordenar o grupo de Assistência aos Pobres, começou o seu serviço oferecendo o salário de um mês para o fundo dos pobres.
Entretanto, a morte do meu pai, no passado mês de Novembro, trouxe-me a Portugal. Pensava voltar à Etiópia após duas ou três semanas, mas questões de saúde acabaram por adiar o meu regresso. Encontrando-me em Viseu, para tratamento médico, recebi no mês de Março uma carta emocionante do catequista Samuel Fena, em nome de toda a comunidade cristã de Teticha:
«Querido Abba Ivo,
A notícia da tua doença apanhou-nos como um relâmpago. Não queríamos acreditar. Ao sabermos da tua situação, juntámo-nos todos, como de costume, na primeira sexta-feira do mês, para pedirmos ao Coração de Jesus que te curasse. Estamos confiantes que Ele nos vai ouvir e tu vais voltar novamente para o meio de nós. Decidimos fazer o ofertório para ti. Recolhemos 700 birr. É uma pequena ajuda dos irmãos que deixaste em Teticha para pagares os medicamentos que, com a graça de Deus, te hão-de trazer a cura.»
Este gesto deixou-me emocionado. Setecentos birre, corresponde a setenta euros, mas para aquelas pessoas é muito… É o equivalente a mais de três salários mensais.
Quero olhar para estes setenta euros como Jesus olhou para as duas moedinhas que a viúva pobre deitou no cofre do tesouro de Jerusalém.

Padre Ivo do Vale, Missionário Comboniano
Versão integral do artigo em «Além-Mar»

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