14 de janeiro de 2007

Contraponto

SIM À VIDA, NÃO AO ABORTO

O essencial é dizer «sim» à vida e «não» ao que a banaliza: aos expedientes, aos subterfúgios, às jogadas políticas, às falsas soluções, às ideias feitas e aos preconceitos.

Saí de Portugal, em missão que me levou à África e à Ásia, nos começos da década de oitenta e volto agora. Tenho, por isso, alguma dificuldade em me situar. Por vezes parece-me que já não sou de casa, que não é esta a terra em que nasci, cresci, alberguei o sonho de um mundo diferente.
O país envelheceu. A minha geração parece desiludida, sem mais perspectivas que a reforma desejada. Os jovens afiguram-se algo indefinidos, a fugir de si mesmos e a refugiarem-se num mundo que me escapa. Entre alguns dos filhos dos meus colegas e amigos descubro uma geração queimada que não conseguiu singrar na escola e enfrenta agora a vida muito fragilizada.
Na paróquia onde nasci, o livro de registos que mais se abre é o dos mortos. O dos nascimentos permanece fechado e meia dúzia de páginas chegam para o ano inteiro. Apareceram os lares de idosos, que não existiam, e se enchem apenas inaugurados. Desapareceram as escolas, que existiam em cada aldeia como ponto de referência cultural e centro de transformação social, e agora deixam atrás de si uma ausência de futuro que inquieta.
Com a urbanização, as relações sociais transformaram-se. Os jovens casam-se mais tarde, os divórcios aumentam. A pessoa humana deixou de estar no centro da sociedade e, no lugar dela, outros valores se colocaram: o dinheiro, o poder, a aparência, a carreira, o prazer. Deixou de se ter um passado, de se sonhar um futuro, em nome do «aqui e agora», do «tudo e já» que caracteriza esta sociedade materialista que fechou a janela aos horizontes de transcendência.
Neste panorama cultural, quase suicida, a questão do aborto, com que agora nos confrontam, parece-me uma proposta de morte, num momento em que precisaríamos de propostas de vida, de iniciativas para inverter o plano inclinado em que o país se encontra, nesta fase de declínio demográfico e cultural. O mais absurdo é que seja o primeiro-ministro a apadrinhar uma proposta legislativa que liberaliza o aborto, é que seja o ministro da saúde a defender uma legislação que favorece a eliminação da vida – sem nada proporem, de novo, que a favoreça!
É triste que tudo isto aconteça precisamente quando a religião, o Cristianismo pela boca de responsáveis Católicos, reconhece que a questão do aborto na nossa sociedade não é uma questão religiosa, que desencadeie uma «guerra de religião», mas sim uma questão ética e moral. E que, como tal, deve ser enfrentada e resolvida fazendo apelo aos valores éticos e morais dos cidadãos.
Na peregrinação pelo mundo, que foi a minha vida missionária, andei muito. E aprendi mais: a falar por mim e a ir ao essencial. E o essencial é dizer «sim» à vida e «não» ao que a banaliza: aos expedientes, aos subterfúgios, às jogadas políticas, às falsas soluções, às ideias feitas e aos preconceitos. Não à «governamentalização» de uma questão que é moral e pertence à consciência dos cidadãos. Não à «partidarização» do aborto, que faz da vida instrumento de luta partidária, arma de arremesso no jogo dos interesses políticos – quando a vida deveria estar bem acima deles! Não à ambiguidade de uma legislação que, ao abrigo da despenalização desejável e do respeito pelos direitos da mulher, promove de facto a liberalização do aborto e o seu eventual uso como meio de controlo da natalidade. Sim a uma desejada legislação que dê benefícios à natalidade, encoraje as famílias numerosas, dê às mães o apoio que elas necessitam para terem a felicidade de bem conceber e dar à luz os seus filhos - e fugirem à infelicidade de os abortar.
Manuel Augusto Lopes Ferreira em «Além-Mar»

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