21 de setembro de 2006

Refracções

E DEUS FEZ-TE A TI

E Deus fez-te a ti
deu-nos coros beneditinos e niti
fez Taj Mahal
roçou ventos de longe
em carvalhos e ciprestes.

E Deus fez-te a ti

deu-nos cantigas de Santa Maria, rei-poeta Treirlok,
Kawandame e Salgueiro Maia
fez Angkhór
sorriu-nos d'ouros escondidos
lavou rios nos nossos pés.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Ottis Redding, Cesária Évora,
Ravy Shankar e Rao Kyao
fez muralha da China
sorriu o mundo com menino
roubou-nos coração com mulher.

E Deus fez-te a ti

deu-nos flauta dos Andes, monges d`Etiópia,
guerreiro Powatan e Dalai Lama
fez-nos Tibete
beatificou-nos com aquele santo
p`ra quem morrer é casar com Deus.

E Deus fez-te a ti

deu-nos cantaderas e poetas de Córdoba,
Brás de Lezo e Pedro de Claver
fez-nos Amazonas e cubatas, catedrais e alhambras
chorou-nos guitarras
p'ra esquecer alegrias do longe cantadas em poentes.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Teitaro Suzuki e outros mestres Zen falando o não dizer
fez-nos Hawai e Caribe
rogou-nos trovoadas com sopro de misericórdia
afugentando filhos ao regaço de mãe.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Alquimistas e Cervantes, Travadinha,
Baticã Ferreira e Robert Freitas Jr.
fez-nos Sagres, Bojador e Tormentas
encheu-nos céu d'ave migrante
chamando a irmã perdida na hora de sul.
E Deus fez-te a ti

deu-nos Wenceslau de Moraes, B'éleza, Pixinguinha,
Alexandre Herculano e Ten Li Jun
fez-nos correntes, monções e praias d'acostar
d'água d'olhos, aspergiu-nos chuvas
enxutas nos aconchegos gotejantes d'alma.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Afonso, Álvares, Camões, Gama, Colombo,
Cabral, Albuquerque,
Magalhães e Santos Dumont
fez-nos Goa, Malaca, Filipinas, Molucas, Brasil e Timor
eternizou-nos no herói à vida afoito
morrendo no grito por mãe do soldado desconhecido.

E Deus fez-te a ti

deu-nos António Vieira, Vinicius, Eugénio Tavares,
Manuel Casanovas , homem-grande, mais-velho,
sobas, régulos e liurais
fez-nos pátios, varandas e terreiros
pintou-nos d`esquecimento de côr
por de dentro todas a todos sentir.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Gasset, Bolívar, Neruda, Gardel,
D. Aleixo, D. Jeremias, leaismoradores de Manatuto,
Borja da Costa e Fernando Sylvan
fez-nos aldeias, vilas, cidades e países
dançou-nos fronteiras de honras
no estático dos limites.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Catulo, Lopes, Aurélio Gonçalves,
Paulina Chiziane e Viriato da Cruz
fez-nos jóias, árvores e flores
guiou-nos com fé e ciências p`ra na vontade de uns o crer
p`ra na desconfiança d`outros a certeza de o experimentar.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Gandhi, Gibran, Francisco d'Assis e Paulo Coelho,
Madredeus e chefe Ameríndio
fez-nos rezas, procissões e caminheiros
sentou-nos meninos, por um tempo, num altar
procurado no errante de vida como busca de tesouro.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Craveirinha, A. Ferreira, Arnaldo França,
Onésimo Silveira, Baltazar Lopes,
José F. Tenreiro, Henrique Guerra e Bartolomeu de Las Casas
fez-nos charrua, foguetão e computador
pôs-nos em terra firme para voarmos de sonho.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Bonga, Hermeto, Manuel D'Novas,
Luís Morais, Pélé, Eusébio e Maradona
fez-nos charnecas e lavradios, desertos, roças e pampas
abraçou-nos, pecadores e santos,
porque feitos no mesmo sorriso.

E Deus fez-te a ti

deu-nos mulheres d’Hawai e Sherpas do Tibete,
mulheres Maori e aborígene d’Austrália
Cecília Meireles, Hermínia, Krishnamurti, Lao Tsé,
Aurobindo e Li-Tao-Ch´un
fez-nos fontes, vinho e pão
badalou-nos levantes e poentes
anunciadores do fímbrio rasgo das batalhas
e dos recatos mântricos das preces.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Afonso Lopes Vieira e Luís Romano,
Erico Veríssimo e Eça de Queirós
fez-nos Matemática, outras ciências,
Filosofia e História
prendeu-nos em cadeias de liberdades
pintadas d`escârneo nas cavernas d'eremitas.

E Deus fez-te a ti

deu-nos Einstein e Niels Bohr, Galileu e Peano,
Giordano Bruno e Pedro Nunes
fez-nos átomos e galáxias, aceleradores de partículas e fotóns,
nanómetro e células indiferenciadas, ovocito e buraco negro.
sonhou-nos, por esse Niels Bohr d’incertezas acordados,
efeitos fantasmas p`rás certezas do futuro.

E Deus fez-te a ti

deu-nos nobres e miseráveis, aristocratas e pobres,
prostitutas e Maria, mecenas e proxenetas,
padre Américo e Lampião, Anchieta e Zé do Telhado
fez-nos menino e adolescente, mulher e homem
perdoou-nos os ódios, de inveja querer o só nosso amar,
como perdoou a Buda a disputa bhrâmane de mais santo ser.

E Deus fez-te a ti

deu-nos dançaderas do ventre,
trovadores e mestres de catedrais que de nome ninguém sabe
fez-nos línguas e babéis
p'ra d'arrogante pecador fez raça pura
p'ra gente crente do viver fez d`outros e de nós,
crioula mistura.

E Deus fez-te a ti
Ibne Vitterbo-Meireles

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