28 de agosto de 2006

Guerra


A FALÁCIA DA FORÇA

A guerra, seguida através da televisão no conforto de uma poltrona, desumaniza-se e transforma-se numa espécie de jogo virtual, asséptico, sem cheiro a explosões nem a morte. As vítimas são números abstractos – de mortos, feridos e desalojados; gente sem nome nem rosto.
Foi assim, no conforto de casa e na indiferença causada por mais umas quantas imagens-choque de mais um conflito em mais uma zona conflituosa, que entrevimos a guerra dos 34 dias entre Israel e as milícias do Hezbollah, partido xiita libanês. Oficialmente, tudo começou quando os seus militantes raptaram dois soldados israelitas e mataram mais três. Pelo menos aparentemente: a revista The New Yorker, entretanto, disse que o ataque do Hezbollah foi apenas um pretexto para uma guerra já planeada. Um exercício combinado com os Estados Unidos para testar o sucesso e as dificuldades de um futuro ataque dos Americanos ao Irão.
O rapto e a ineficácia da resposta, brutalmente desmesurada, revelaram a vulnerabilidade do Tsahal, o exército de Israel, e puseram termo ao mito da sua invencibilidade. Os maciços bombardeamentos no Líbano e as centenas de ronceiros «rockets» que, em retaliação, nunca deixaram de cair em Israel, deixaram 1200 civis mortos e 3700 feridos, mais de um milhão de deslocados nos dois lados da fronteira e grande parte do Líbano mais uma vez reduzida a escombros. Cerca de 200 militares morreram e outros tantos ficaram feridos. Mas a grande vítima do conflito foi a população civil, israelita e, sobretudo, libanesa. Apesar de as bombas supostamente inteligentes e dos ataques ditos cirúrgicos a alvos estritamente militares.
E o que é que a guerra conseguiu? Destruição, morte, ódio e desejo de vingança acumulados. Os dois soldados continuam nas mãos do Hezbollah e a milícia xiita mantém intacta a capacidade de lançar ataques contra Israel. Entretanto, no Sri Lanka, trava-se, desde Julho, a primeira guerra por causa da água. Dezenas de meninas, estudantes tâmiles, foram mortas pelos ataques da Força Aérea a áreas controladas pelos separatistas. Outra vez os civis a pagar a factura.
O Papa Bento XVI afirmou que «não se pode restabelecer a justiça, criar uma nova ordem e instaurar uma paz autêntica, quando se recorre ao instrumento da violência». Numa entrevista a alguns canais alemães de televisão, elaborou a ideia: «A guerra é a pior solução para todos. Não traz nada de bom para ninguém, nem mesmo para os aparentes vencedores. [...] Aquilo de que todos necessitamos é de paz. [...] A única solução é aprendermos a viver juntos.»
O paradigma do recurso à guerra como panaceia para todos os desafios que a sociedade globalizada enfrenta está a conduzir-nos a um beco sem saída. Porque a violência gera violência numa espiral voraz de destruição e morte, cobrindo-nos com uma cortina dramática e espessa de medo e de desconfiança mútua que nos tolda o coração.
A arrogância da força bruta não resolve nada. Pode dar uma sensação de segurança, mas não passa disso. E, além do mais, a guerra tem custos obscenos: 2250 milhões de euros por dia! Dinheiro que poderia ser utilizado na saúde, na educação e no desenvolvimento dos povos mais necessitados.
Só o diálogo, a aceitação do outro como parceiro, pode promover a convivência e a harmonia, as bases de uma paz duradoira e universal. Trazemos inscrita na genética colectiva a recordação ferida dos conflitos do passado. Mas não podemos ajustar contas com a História. Para construirmos um futuro de paz, temos de purificar a memória através da catarse da pacificação interior. É aí que reside a chave para a harmonia universal com que sonhamos.

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