22 de março de 2010

ESTA DOLOROSA PROFISSÃO DE SE SER JORNALISTA

Pede-me o Francisco, jovem advogado, que escreva aqui alguma coisa sobre a actividade que há 45 anos me preenche a vida; e devo confessar-lhe que é deveras complicado.
Em 3.000 jornalistas que Você pegue, cada um lhe poderá quase que pela certa dar respostas diferentes, sintetizando as suas experiências e os seus anseios.
Por mim, comecei na altura em que Nikita Kruschev era substituído à frente da União Soviética por Leonid Brejnev e em que a China se dotava de uma bomba de hidrogénio.
Aos 20 anos embarcava para Bissau e para a Cidade da Praia, no paquete "Funchal", a fim de fazer a primeira cobertura de uma viagem presidencial, a de Américo de Deus Rodrigues Thomaz, tendo privado nessa missão com a destacada repórter fotográfica Beatriz Ferreira, com o realizador Perdigão Queiroga e com um grande homem da rádio, Artur Agostinho.
Aos 25 anos estava eu em Londres a fazer a cobertura da visita do senhor Professor Marcello Caetano, tendo ficado fascinado com o British Museum.
Ano e meio depois as contingências da vida levaram-me a passar quotidianamente por Trafalgar Square e Aldwych, tendo conhecido na Bush House, sede dos serviços externos da BBC, pessoas como o grande melómano António Cartaxo.
Quando tinha 30 anos encarregaram-me de abrir nos Açores uma delegação da agência noticiosa portuguesa e 10 meses depois fui fazer o mesmo para Moçambique. Estava a colher o fruto do que durante a minha primeira década de profissão aprendera com pessoas como Francisco de Paula Dutra Faria.
Também me deixara inspirar pelos livros de António Ferro, sonhando ir um dia até Fiúme.
Mais tarde, para encurtar conversa, entrevistei Robert Mugabe, Kenneth Kaunda, Sam Nujoma, Joaquim Chissano, Aristides Pereira, Luís Cabral, Ramalho Eanes e Alberto João Jardim. Vivi na Guiné-Bissau e em Angola, fui três vezes em serviço à África do Sul e outras a Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Nigéria.
Para mim, ser jornalista é conhecer o mundo e divulgá-lo. Conhecer não só de experiência feita mas também dos livros, da pesquisa, para relatar da forma mais adequada possível o que vai acontecendo neste nosso planeta, desde a gesta da descolonização às crises contemporâneas. Sem nunca esquecer o longo caminho que ainda há a percorrer para que haja mais justiça.
Muitas vezes esmoreço, mas vou-me aguentando graças à confiança que em mim depositam pessoas de lugares tão diferentes como Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste. Quando elas, o director de uma revista missionária ou um causídico nos primeiros anos de carreira me pedem um depoimento, rejuvenesço e entendo que não foi de todo mau ter-me reservado o destino esta dolorosa carreira de jornalista.

Jorge Heitor, jornalista de O Público
São camaradas como o Jorge que nos fazem acreditar na profissão de jornalista como uma maneira viável de construir pontes e partilhar vivências e eventos. Mabruk! Parabéns.

Sem comentários:

Enviar um comentário