20 de junho de 2025

LINHAS DE PAZ BEDUÍNAS


«Dêem-nos mais material para bordar», pediram-nos esta manhã as mulheres beduínas que visitámos no deserto da Judeia.

Há semanas que se sente no ar uma urgência silenciosa. Nas suas mãos, a pressa. Nos seus olhos, a determinação. 

As mulheres beduínas bordam belos motivos palestinianos contra o tempo. Bordam com esperança, no meio do barulho das sirenes, dos mísseis, do medo e da dor.

Vivemos tempos frágeis. O mundo sofre uma profunda «fome» de esperança. Dor, perdas, incerteza...

E, no entanto, estamos no deserto. Um calor que não cede. Uma esperança que não se apaga.

De uma paróquia na Itália, um casal pediu cem saquinhos bordados como sinal de solidariedade. É pouco e, ao mesmo tempo, é muito.

Os maridos beduínos não podem trabalhar. Vários postos de controlo continuam fechados.

As crianças rodeiam-nos... 

Graças ao seu gesto — e ao teu — elas poderão alimentar-se.

No meio do conflito, esperam enquanto continuam a bordar com linhas de esperança no calor crescente do deserto da Judeia.

Ir Cecília Sierra

Missionária Comboniana no Deserto da Judeia

10 de junho de 2025

OBRIGADINHO






Confesso-me avesso a este tipo de eventos. Quando mo propuseram, pensei duas, três vezes! Aceitei esta homenagem em nome da fé das gentes de Cinfães com quem aprendi a vida e o crer que partilho através do meu serviço missionário de doze anos com os gujis, no Sul da Etiópia, mais sete com os sul-sudaneses e uns breves nove meses no México. 

Sou humilde testemunha do Evangelho da graça de Deus. Faço-o em vosso nome e com a força da vossa amizade solidária. O serviço missionário é um privilégio único e fonte de alegria e vitalidade. É uma experiência humana ímpar partilhar a vida com pessoas que nem sequer sabia que existiam e que me receberam como seu.

José Tolentino de Mendonça, o cardeal-luzeiro das letras e espiritualidade contemporâneas, escreveu: «Quando entrego a vida como dom é que ela se multiplica. Quando me abandono é que me encontro. Quando digo “a minha vida é tua” é que ela me pertence verdadeiramente. A vida será uma aventura fecunda se estivermos seguros desse amor». A missão faz-me habitar esta realidade todos os dias!

Sou filho de Cinfães e tenho uma vaidade imensa nas minhas raízes. Até na pronúncia! Quando vivi em Lisboa, muitas pessoas comentavam: «O senhor padre é do Norte!». Sou de Cinfães com muito orgulho e convicção. E também com responsabilidade. Sou vosso embaixador nas sete partidas do mundo!

Muitos da minha e de outras gerações estamos na diáspora por motivos profissionais, familiares ou por razões vocacionais – como eu. Deixamos Cinfães, mas Cinfães não nos largou. O apelo do ninho que nos acolheu ao nascer, terra mágica alcandorada entre o rio e a serra, modelou o nosso caracter. Somos resilientes e fortes como o granito do Montemuro. Somos tranquilos – e diria mesmo poetas contemplativos – como as águas amansadas do Douro que nos corre aos pés.

Cinfães mais do que uma localidade perdida no mapa das acessibilidades difíceis, é uma identidade que nos forja, uma marca indelével que nos acompanha, sinal de pertença e de identificação pessoal e comunitária.

Agradeço do fundo do coração este reconhecimento a Deus em quem nos movemos, respiramos e existimos. Depois ao senhor Dr. Serafim Rodrigues, presidente da câmara em exercício, sobretudo pela amizade que nos liga há longos anos. E a todos e cada uma e cada um de vocês, pela cercania.

Que o Senhor da Vida e da Missão nos abençoe a todos.

Cinfães, 10 de junho de 2025

7 de junho de 2025

A FORÇA DO SORRIR


Estava tão feliz. Era a festa de formatura do jardim de infância, numa aldeia beduína do deserto da Judeia. Com os olhos brilhantes e as mãos ansiosas, abriu o pequeno saco que, como as outras crianças, tinha recebido. Festejou cada doce, o pequeno carrinho e, sobretudo, os dois balões que tirou com espanto. Ficámos encantadas por o ver saltar de alegria. A sua alegria era contagiante, sincera, pura.

As professoras beduínas acompanham esta viagem com dedicação e ternura. Uma delas, de 34 anos, foi a primeira professora de todas as crianças da região. Ensinou raparigas que agora se preparam para a universidade. É respeitada e amada. Uma verdadeira líder, uma tecedeira do futuro no meio da incerteza.

Neste jardim de infância, as crianças chegam com fome de aprender. Para muitas, esta será a sua única experiência escolar. São sobretudo as raparigas beduínas que conseguem continuar. Poucos beduínos do deserto da Judeia conseguem chegar à universidade, mas elas, com muito trabalho, fazem-no. Curiosamente, neste jardim de infância, ameaçado pela expansão dos colonatos israelitas, há mais rapazes do que raparigas.

Aqui, onde crescer como criança palestiniana significa enfrentar a insegurança e a desapropriação, um sorriso é já um ato de resistência, uma centelha de esperança. E é por causa desses sorrisos – por causa deste sonho partilhado – que ainda aqui estamos, sob um sol cada vez mais abrasador. Sonhamos que cada menina e cada menino, com a sua alegria curiosa, possam abrir-se ao mundo e traçar caminhos de paz, dignidade, justiça e vida plena para todos.

Ir Cecília Sierra

Missionária Comboniana no Deserto da Judeia

3 de junho de 2025

O AMIGO QUE PARTIU

Quando o cardeal camerlengo Kevin Farrell anunciou que o Papa Francisco regressou à casa do Pai na manhã de 21 de Abril de 2025, as redes sociais entraram em grande bulício e a notícia chegou-me através delas.

Francisco foi um grande amigo da África – continente que descreveu como cheio de vida –, tendo visitado dez dos seus países: Quénia, Uganda e República da África Central, em 2015; Egipto, em 2017; Moçambique, Madagáscar e Maurícias, em 2019; e República Democrática do Congo e Sudão do Sul, em 2023.

A África e as suas situações encontraram voz e vez nas suas exortações apostólicas Alegria do EvangelhoAlegria do amor e Alegrai-vos e exultai e nas encíclicas Laudato Si´ e Fratelli tutti. Na visita ao Congo o Papa Francisco foi veemente: «Tirem as mãos da África! A África não é uma mina para ser despojada nem um terreno para ser pilhado.»

O cardeal Fridolin Ambongo, arcebispo de Kinshasa (RD Congo) e presidente do SECAM, o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar, escreveu numa nota de pesar que Francisco dedicou tempo «a compreender as nossas realidades, a ouvir as nossas histórias e a amplificar as nossas vozes na cena mundial. As suas visitas a vários países do continente trouxeram esperança e amor a inúmeras pessoas e reafirmaram o empenhamento da Igreja em ser uma família».

Francisco tinha uma preocupação e um carinho particulares pelo Sudão do Sul. Convidou, inclusive, os seus dirigentes para um retiro no Vaticano em Abril de 2019 e ajoelhou-se e beijou os pés do presidente Salva Kiir Mayardit e de alguns dos seus vice-presidentes. O presidente Kiir, carpindo a morte do Bispo de Roma, escreveu: «O Sudão do Sul tinha um lugar especial no coração de Sua Santidade, o Papa Francisco. [...] O seu ato de bondade e humildade demonstrado na nossa visita a Roma em 2019, quando se ajoelhou para nos beijar os pés, foi um ponto de viragem para nós, os parceiros da paz.»

O arcebispo de Juba, cardeal Stephen Ameyu, disse à Vatican News que o falecido papa «era o nosso advogado. Perdemos o único advogado que recordava constantemente ao mundo a nossa guerra esquecida».

Alguns analistas da ala tradicional da Igreja culpam Francisco – injustamente – pelo caos que a declaração Fiducia supplicans sobre o significado pastoral das bênçãos – que permite abençoar individualmente pessoas em situação matrimonial irregular, incluindo homossexuais – criou na Igreja em África. Porém, o documento – que foi publicado em finais de Dezembro de 2023 – é assinado pelo cardeal Víctor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé. Perante a oposição vigorosa dos prelados africanos às bênçãos de homossexuais, Francisco reiterou em Janeiro seguinte que a declaração não seria aplicada no continente porque «a cultura não aceita isso».

Descansa na paz do teu Senhor, servo bom, humilde e fiel, e intercede pela tua África amada.