30 de março de 2020

CAIRO NO MESMO BARCO

Hoje, na cidade do Cairo, capital do Egipto, está decretado o recolher obrigatório desde as seis horas da tarde até às sete de amanhã. E isto é só o princípio do que está para vir. As medidas de precaução contra a pandemia coronavírus serão ainda mais fortes num futuro muito próximo. 

Diz-se que é tempo de guerra. O inimigo está aqui, está ali, em qualquer canto, está no meio de nós, sem que ninguém o veja. É um papão que não olha a classes ou categorias de pessoas. Para ele não há ricos ou pobres. Silencioso e matreiro, vai oferecendo com ironia e sarcasmo o seu presente mortífero. Aqui e além, vêem-se fanfarrões a rir e a fingir de valentes, mas, pouco a pouco, também eles se vão rendendo, juntando-se ao comum dos mortais, deixando à vista a marca de terror nos seus rostos.

Quem tem a mínima noção do modo de vida nesta cidade do Cairo sabe que se vive até altas horas da noite sob o ritmo barulhento e buliçoso do trabalho.

A propósito, basta citar o que me aconteceu há dias. Perguntei ao oculista quando é que eu poderia ir buscar os meus óculos que estavam a ser arranjados. Resposta: «Estamos abertos até às 11 horas da noite!».

De repente, tudo mudou. De facto, ainda não são 10 horas da noite e, no entanto, reina uma quietude fora do costume. A cidade silenciou-se e parou. Não se ouvem as vozearias nem as algazarras nem os motores dos carros e as suas estridentes buzinas.

Tinha acabado de rezar o terço enquanto caminhava no adro da igreja quando, antes de entrar em casa, me veio a ideia curiosa de saber o que vai lá fora. Atravessei o umbral da porta e cumprimentei os dois guardas de turno na guarita (a guarda das igrejas no Egipto foi imposta pelo governo). A rua está deserta, rigorosamente vazia. 

O silêncio inspirou a imaginação que me fez atravessar ruas e vielas, praças e rossios até às aforas da cidade onde, finalmente, me convidou a contemplar as majestosas pirâmides faraónicas de Giza.

Um estrondoso roncar de motor fez-me voltar a mim. Era o carro armado da patrulha do exército. Ao mesmo tempo, num triz, sofro o duro embate de um homem que chocando contra mim, me empurra violentamente para dentro, pouco faltando para que nos espraiássemos os dois no chão.

Ainda confuso, pediu-me imensa desculpa pelo seu atrevido e rude comportamento.

«Sei que é proibido andar na rua, mas tive de arriscar, pois o pão vai escasseando em casa», disse. «Já há uns bons anos que vos conheço e sinto-me bem convosco aqui na igreja, graças a Deus», continuou. 

Finalmente, fixando o olhar demorado em mim, disse, surpreendido: «Mas… o senhor mora aqui? É que eu não estou a conhecê-lo.»

Foi a minha vez de lhe dizer: «Sim, sou novo cá na nesta missão, nesta igreja. Cheguei do Sudão para tratamento médico e para lá voltarei dentro em breve, insha Allah, se Deus quiser».

Ponderando a lógica da conversa, acrescentei: «Vejo que é esta a igreja que você frequenta ao domingo». 

Ele, na tentativa de não me desiludir, respondeu com um sorriso de delicadeza: «Não, eu sou muçulmano.»

Recuperado do grande susto pregado pelo carro da patrulha que já tinha desaparecido na comprida rua, o desconhecido amigo estendeu a mão e deu-me o terço que tinha caído no chão e, ao mesmo tempo, disse: «Reze muito».

A seguir, mostrou-me o terço muçulmano que tirou do bolso e continuou: «Eu só sei rezar por este, mas Deus é um só. Rezemos-Lhe para que livre o Egipto e o mundo inteiro da doença do coronavírus.»

Considerando o perigo já passado, despediu-se: «Maa salama, adeus, amigo que vieste do Sudão». 

Mas, ao voltar-se para tomar o caminho, foi surpreendido pelos guardas da igreja que, de arma em punho, lhe barraram a passagem.

«Eu ouvi a vossa conversa; agora falo eu», disse aquele que estava à sua frente, num tom encolerizado.

Temi pela vida do meu amigo até ao momento em que ouvi, do mesmo soldado, palavras de alívio. 

«Isto podia ser o fim da tua vida, mas hoje estás com muita sorte: o carro patrulha do exército passou sem te ver e eu também não te acuso. Já pensaste o que seria de ti e da tua família se tivesses de pagar a colossal multa e a pena de prisão por esta tua desobediência ao estado de emergência?», o militar explicou.

E continuou: «As palavras do presidente da república à nação, ontem, forem bem claras: “Caro cidadão, não descuides as regras, ajuda-nos a salvar a tua vida para, juntos, podermos salvar a de todos os egípcios!”.»

Quando adivinhou o fim das duras palavras, o amigo desconhecido levantou a cabeça, lentamente, para ouvir do guarda a boa notícia que ainda ousava esperar: «Podes agradecer a Deus e ao padre que te acolheu e defendeu aqui na igreja, mesmo sem o saber. Mas também não vais sem o meu pedido que, neste momento, é uma ordem: as regras do jogo contra o coronavírus são para se cumprir. Tolerância zero.»

«Amin, elhamdu lillah, assim seja, graças a Deus!», foi o que os guardas ouviram de nós os dois, em humilde e profundo agradecimento.

Esta foi uma lição majestosa e vital. É que, na verdade, está em jogo a vida. A vida de todos nós. Salvamo-nos todos juntos. Em comunidade. Navegamos na mesma barca.
Feliz da Costa Martins 
Cairo – Egipto 
26 Março 2020 

29 de março de 2020

O ENCANTO (TRABALHOSO) DA AMIZADE


O Evangelho que a liturgia propõe para este domingo (celebrado na Igreja doméstica que é a família) é a narrativa comovente da ressuscitação de Lázaro (João 11, 1-44).

Começa com um recado singelo, mas suplicador: «Senhor, eis que aquele de quem és amigo, está doente». Um grito de socorro das manas de Betânia que põe Jesus a caminho.

João explica: «Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro».

Os discípulos não ficam contentes com a decisão de Jesus de voltar à Judeia: está a pôr a vida em risco, porque já tinham tentado apedrejá-lo. Mas Lázaro, «o nosso amigo», precisa dele.

Quando Jesus chega a Betânia, no topo da colina em frente a Jerusalém, encontra uma grande comoção e fica perturbado.

«Jesus chorou», diz João sem receio.

Ele vive o sofrimento das manas enlutadas, não tem vergonha de mostrar a própria vulnerabilidade. Os presentes comentam: «Vede como era seu amigo».

Outros mandam bocas: Se restituiu a vista aos cegos porque deixou Lázaro morrer?

Jesus, «profundamente comovido», vai ao sepulcro e ordena que tirem a pedra que cobre a entrada.

Apesar de o corpo cheirar mal porque Lázaro havia morrido há quatro dias – está morto e bem morto – rolam a pedra.

Jesus, depois de agradecer ao Papá porque o ouviu, «clamou em voz forte: “Lázaro, vem para fora”.»

Lázaro está enfaixado com ligaduras e com um sudário a envolver a cabeça. Mas «o morto saiu». 

Jesus ordena: «Desatai-o e deixai-o ir!».

Jesus fornece-nos o GPS para a amizade que todos precisamos e todos temos de dar: é preciso sair da zona de conforto sem medo dos riscos, viver a amizade sem medo das emoções, tirar os amigos dos sepulcros onde estão fechados, desatar os nós que os amarram e deixá-los ir!

Nestes dias de isolamento social, a amizade faz-se sobretudo através do telefone e das redes sociais.

As casas, os apartamentos nestes dias de quarentena são os nossos túmulos. 

O medo, a solidão, a falta de abraços e beijos, a ansiedade são ligaduras que nos atam. 

Dizemos uns aos outros: Vem para fora, sai dos teus medos, mas, por amor de Deus, fica em casa até esta tormenta passar.

Recordemos as Irmãs Combonianas que têm uma comunidade em Betânia – que os palestinianos chamam Al Eizarieh ou Lazariyeh (Lugar de Lázaro em árabe) por razões óbvias – para mostrar às crianças palestinianas e aos beduínos a amizade de Jesus, apesar dum muro alto de betão que separa a comunidade e o jardim de infância do Território Palestiniano.

A ressurreição de Lázaro é o ícone da amizade. 

Cada um de nós é um amigo de Jesus.

«Já não vos chamo servos, mas amigos» – diz o Senhor a cada um de nós.

16 de março de 2020

COVID19: MENSAGEM DE SOLIDARIEDADE À FAMÍLIA COMBONIANA


Dia do nascimento de São Daniel Comboni
Roma, 15 de março de 2020

«...Sinto tal peso no coração, que me vejo obrigado a voar ao Céu com as minhas ideias e a pensar que vós tendes um apoio mais sublime, seguro e infalível que o meu, que estais mais protegidos sob a custódia de Deus do que sob a minha» (Escritos 219) 

S. Daniel Comboni ao pai pela mãe doente

Queridas irmãs e irmãos,

Saudamos-vos com carinho neste momento de emergência que, em nome de nosso Senhor Jesus e juntamente com nosso Pai São Daniel Comboni, nos une ainda mais como família comboniana.

Vivemos uma situação sem precedentes, causada pela pandemia de coronavírus, que já está presente em mais de 100 países dos cinco continentes. Um dos países mais afectados é a Itália, que luta com todos os meios possíveis para interromper o contágio. Os mais vulneráveis aos efeitos deste vírus são os idosos ou pessoas que sofrem de doenças crónicas, categoria na qual se encontram vários dos nossos irmãos e irmãs.

Essa situação inesperada deixou-nos perplexos e baralhou todos os nossos planos. Fomos obrigados a adoptar medidas preventivas muito severas, seguindo as indicações das autoridades competentes. Este ano, vivemos a Quaresma de uma maneira muito especial, mas o Senhor acompanha-nos nesta realidade desconhecida para a qual nenhum de nós estava preparado. No entanto, na fraqueza, confusão, medo, Cristo manifesta-se na cruz, sofre e morre por toda a humanidade: «pelas suas chagas fostes curados» (1 Pedro 2, 24). Mas, além da cruz, cremos que, com a Sua ressurreição, as se abrem as portas da Vida na sua plenitude: «para que tenham vida e a tenham em abundância» (João 10, 10). Além disso, dentro deste limite imposto, somos chamados a viver a nossa missão: antes de tudo, partilhando a vida dos nossos povos em solidariedade com a realidade que vivem como sinal de esperança. Em segundo lugar, mesmo que, em algumas partes do mundo, não possamos fazer celebrações litúrgicas e orar com as pessoas, podemos intensificar a nossa vida de oração pessoal e comunitária, procurando a Deus que nos fala do profundo.

Este vírus abateu as barreiras e fronteiras entre povos e nações. Toda a humanidade se sente unida na mesma luta para o parar. No entanto, é um momento para descobrir a nossa vulnerabilidade. Para lá das nossas culturas e nacionalidades, somos todos irmãos e irmãs de uma única família humana peregrina com um destino comum. É por isso que sentimos que, como uma família comboniana, hoje mais do que nunca, somos chamados a viver mais unidos, rezando uns pelos outros, com um olhar atento sobre o que está a acontecer em todo o mundo, porque isso faz parte do nosso carisma. Diante da impotência de não poder ajudar neste momento os mais necessitados, lembremos as palavras de São Daniel Comboni: «A omnipotência da oração é a nossa força» (Escritos 1969). Que esta crise nos ajude a reconhecer aquilo que é essencial na nossa vida e a colocar-nos nas mãos de Deus.

Seguimos atentamente o evoluir da situação. Imploramos ao Senhor da Vida que proteja todos os seus filhos e filhas neste tempo de incerteza. Agradecemos ao Senhor pela coragem de todos os que cuidam dos doentes e, especialmente, daqueles que vivem nas nossas casas de repouso. Rezamos também por todos os que são mais vulneráveis aos efeitos deste vírus: as pessoas idosas e sós, os migrantes, os sem abrigo e os prisioneiros. Que o Senhor nos dê todas as forças para viver este momento com responsabilidade, na solidariedade e na fé.

Conselho Geral das IMC 
Conselho Geral dos MCCJ 
Conselho Central das MSC 
Comissão Central dos LMC 

NOVENA COMBONIANA

Ó Pai,

que mostras a tua caridade infinita
na obra de quem deu a vida
pelas irmãs e irmãos que sofrem,
pedimos-te, pela intercessão dos nossos Veneráveis
Giuseppe Ambrosoli e Giuseppa Scandola,
que libertes o mundo do flagelo do vírus
que atinge povos e continentes
semeando morte, sofrimento, medo, privações.

Ó Pai,
mostra-nos o teu Rosto de misericórdia
e salve-nos no teu imenso amor por toda a humanidade.
To pedimos pela intercessão de Maria,
Mãe da saúde,
Tu que vives e reinas com o teu Filho Jesus e o Espírito Santo
pelos séculos dos séculos. Amém.
Gloria.

12 de março de 2020

O ROSTO DO MEU PAI

Catedral de El Obeid – Foto M. Santschi

– Eh, passas por nós e nem dizes olá?! Parece que já não conheces os teus amigos do Darfur!

Apesar do sol poente que me cegava, levantei um pouco o boné e os meus olhos toparam com os três amigos. Era o P. Anthony, o novo pároco de Nyala, com a Margaret e o Gassim, representantes do conselho paroquial.

– Esquecer? Creiam-me, já há mais de um ano que deixei o Darfur, mas o pensamento ainda me foge, até demais, para as bandas de lá.

– Demais? Pelo contrário, é bom sinal. As pessoas de Nyala também perguntam muito por ti e estão desejosos de uma visita da tua parte, repostou a Margaret com entusiasmo lisonjeiro.

Os três amigos forasteiros tinham acabado de chegar à cidade de El Obeid para a reunião anual dos agentes pastorais da diocese. A sua presença foi, ao mesmo tempo, uma oportunidade para pormos a conversa em dia. Assim, fiquei contente em saber que o P. Anthony já teve ocasião de visitar as distantes e remotas zonas da paróquia, entre outras, Redom e Buram. Este era um dos objetivos que eu, aquando dos meus doze anos de missionário naquela região do Darfur, me tinha proposto, mas nunca pudera, infelizmente, realizar. E, já agora, confesso uma outra grande pena: a de não ter realizado a tão aspirada visita a Olgossa, a aldeia natal de Santa Bakhita. Uma povoação não muito longe, a somente 30 quilómetros da nossa missão de Nyala. E pensar que não me foi possível chegar até lá… «Não se concedem guias de marcha a estrangeiros porque Darfur é zona de guerra», foi a resposta que eu, sempre e invariavelmente, recebi da autoridade militar em serviço.

Por causa desta dificuldade de segurança e movimentação, os meus superiores acharam bem que mudasse para El Obeid, onde me encontro atualmente. Foi nestes sítios que S. Daniel Comboni concentrou grande parte dos seus esforços e trabalhos. As suas pegadas são rastos que nunca se apagaram no meio desta população. A ele se junta Josefina Bakhita, a santa do Darfur. Estes dois santos são, na verdade, muito queridos e amados por todos os sudaneses, merecendo-lhes o título de padroeiros.

Atualmente, a atividade missionária nesta zona de El Obeid desenvolve-se com muito mais segurança do que na minha missão anterior, em Nyala. Talvez por isso, naquela tarde de novembro, o nosso Bispo Tombe, à entrada da casa episcopal, não deixou de me pôr em estado de alerta, enquanto expressava um desejo com fineza e graça.

– Vê lá bem, não seja isso uma desculpa para te acomodares e te sentares à sombra da bananeira, só porque agora não sentes o aguilhão da guerra e da perseguição como te acontecia no Darfur. E continuou:

– Olha que aqui todos sabemos que és filho do gigante missionário Daniel Comboni. Por conseguinte, não só esperamos mas também exigimos de ti que sejas um missionário à altura desse grande santo que é considerado também o pai na fé para toda a Igreja do Sudão.

As palavras do simpático Bispo tinham sido pronunciadas na presença de um conjunto de pessoas que, espontaneamente nos tínhamos reunido à sua volta. Naturalmente, aquelas foram testemunhas de primeira mão e me estimularam para que eu tomasse as ditas palavras com seriedade e não caíssem em saco roto.

Durante a visita aos doentes – um dos meus trabalhos pastorais de rotina – paro frequentemente em casa da Fauzia, uma senhora idosa que não sai de casa desde há vários anos. Mas, naquele dia, além das pessoas de casa, havia outras que eu não conhecia e que ela me apresentou, acrescentando ainda que haveria uma comunicação a fazer. De facto, no fim do encontro de oração, ao sinal dado pela matriarca, uma sua neta começou a contar o que o Sr. Bispo tinha dito alguns quinze dias atrás. E a jovem Miriam deu, realmente, provas de boa memória, ao narrar o já mencionado acima, acerca do povo sudanês que esperava e exigia do Pe. Feliz que lhes mostrasse o verdadeiro rosto de seu pai Daniel Comboni.

Vimos a senhora Fauzia, num esforço desmedido, a querer levantar-se do cadeirão, mas achou por bem acatar o nosso conselho de ficar sentada. Respirou fundo e falou:

– Depois de termos ouvido da boca da Miriam as palavras do nosso querido Bispo Tombe, quero dizer-te, amigo Pe. Feliz, que estes três meus parentes, pertencentes ao nosso clã de família alargada, vêm dar um matiz especial ao nosso encontro de hoje. Estando de passagem nesta cidade, manifestaram satisfazer uma curiosidade que trazem lá das suas terras, os Montes Nubas (a mais de 200 quilómetros de distância), onde ouviram frequentemente mencionar o nome de S. Daniel Comboni. Fico contente por isso, mas pensei convidá-los hoje aqui a minha casa porque, ninguém melhor do que tu, que és filho de Comboni, poderá ajudá-los no assunto em questão.

Surgiu um intervalo natural e espontâneo, enquanto passava o bule do chá de hortelã pela dezena de pessoas que ocupávamos o pátio da casa. Depois, Fauzia tomou de novo a palavra e disse:

– Enquanto rezávamos, eles permaneceram calados; não é de maravilhar, pois não são cristãos. São muçulmanos, filhos e pais de boa gente, meus familiares. Eles não me falaram em conversão ao cristianismo e nem eu estou aqui a insinuar que o façam. Mas saber quem foi o teu pai e nosso pai na fé é um direito que lhes cabe. E eu não ficaria satisfeita se não anunciasse, a ti e a eles, no máximo respeito e liberdade, este meu convite. O grande missionário Comboni não é pessoa para ficar desconhecida e, muito menos, no nosso país. O nosso Bispo Tombe tinha toda a razão para dizer o que tão bem disse naquele dia… Palavras que a nossa jovem Miriam colheu e admiravelmente nos apresentou aqui nesta nossa reunião de oração.

Agradeci à amiga senhora. Fauzia a confiança depositada em mim para a obra que me pedia. Sim, o nosso Bispo Tombe tinha falado muito bem. As suas palavras tinham sido pertinentes ao máximo. Estou-lhe imensamente reconhecido por ter refrescado em mim a identidade missionária.

Com alegria caminharei junto com os três familiares e membros do clã da senhora Fauzia e com todos aqueles, não importa quem, se vão juntando a nós.

Caminhamos em direção a Deus,
Percorrendo o caminho do amor e da misericórdia que herdámos do próprio Jesus Cristo.
Caminho que Comboni trilhou até ao fim com dedicação e alegria.
Caminho que me permite estar à altura de mostrar o rosto de meu pai,
Em todo o seu brilho e transparência.
Caminho que é uma vida inteira de entrega e serviço a par dos irmãos e irmãs.

Feliz da Costa Martins 
Missionário Comboniano em El Obeid (Sudão)

3 de março de 2020

PRAGA DE GAFANHOTOS


Gafanhoto-do-deserto ataca Corno de África.
Uma nuvem densa e voraz de milhares de milhões de gafanhotos-do-deserto pôs em sobressalto o Corno de África ao destruir culturas e pastos e pondo em risco a segurança alimentar de milhões de pessoas.

Os enxames de gafanhotos desenvolveram-se numa zona remota da península arábica desde Junho de 2018 devido a chuvas abundantes e dois ciclones, resultado das mudanças climáticas.

Quando a vegetação começou a escassear, os gafanhotos, à boleia do vento, atravessaram o mar Vermelho e rumaram em direcção ao Quénia, Etiópia e Somália em números sem precedentes. Há vinte e cinco anos que a Etiópia e a Somália não testemunhavam uma praga destas dimensões e o Quénia há setenta. Nuvens de saltões já estão a chegar ao Egipto, Sudão, Eritreia, Tanzânia e Uganda e podem invadir o Sudão do Sul.

A FAO, a organização das Nações Unidas para a alimentação e agricultura, alerta que, se nada for feito para travar a praga, em Junho os saltaricos vão multiplicar-se por 500 com a chegada das chuvas. Cada fêmea põe dezenas de ovos (por vezes mais de 100) na terra húmida e pode procriar pelo menos três vezes. O período de incubação oscila entre 10 dias e um mês. Um insecto vive de três a cinco meses.

Os enxames, formados por centenas de milhões de gafanhotos, deslocam-se a uma velocidade de 150 quilómetros por dia, destruindo pastagens e culturas pelo caminho. Um gafanhoto-do-deserto pesa dois gramas e consome por dia o seu peso em vegetais. Pode parecer coisa pouca, mas dois gramas multiplicados por centenas de milhões de gafanhotos deixam uma pegada devastadora no meio ambiente.

António Guterres, secretário-geral da ONU, alertou no fim de Janeiro para a origem e perigo da praga. «Os gafanhotos-do-deserto são extremamente perigosos. Provocado pela crise climática, o surto está a piorar a já horrenda situação de segurança alimentar na África Oriental», tuitou.

Os governos locais não têm capacidades técnicas nem financeiras para enfrentar os enxames cada vez maiores e pedem ajuda ao estrangeiro. Para combater a praga, são necessários pulverizadores aéreos e terrestres com insecticidas.

Os chefes de Estado da IGAD, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento no Leste de África, pediram a meados de Fevereiro ajuda aos parceiros internacionais e de desenvolvimento «para apoiar os esforços dos Estados-membros da IGAD uma vez que os países da região não têm a capacidade financeira, técnica e logística requerida para enfrentar efectivamente a invasão dos gafanhotos».

A FAO calcula que são precisos mais de 64 milhões de euros para controlar a praga no Corno de África e ajudar os agricultores a enfrentar as perdas nas culturas e colheitas.

O gafanhoto-do-deserto (Schistocerca gregaria) é a mais perigosa das doze espécies de saltaricos. Vive na faixa semidesértica de 20 países da África Ocidental até à Índia numa extensão de cerca de 16 milhões de quilómetros quadrados. Um enxame de gafanhotos-do-deserto pode ter cerca de 80 milhões de insectos por quilómetro quadrado e pode destruir num só dia os alimentos necessários para 35 mil pessoas.