17 de outubro de 2018

Pedro Nascimento, LMC: OBRIGADO




Queridos amigos e amigas, 

Hoje, de um modo especial, uma palavra inunda o meu coração: obrigado!

Obrigado a Deus pelo grande amor que me tem, pelo Seu perdão constante e pela Sua grande paciência para com as minhas fragilidades!

Obrigado à minha família simplesmente pelo que são para mim, pelo que fizeram de mim, por tanto amor recebido! Diz-nos Saint Exupéry: «foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a tornou tão importante para ti». Foi o tempo que me dedicaram que vos torna tão importantes para mim. Peço ao Senhor que vos fortaleça e rogo à Mãe do Céu que vos acolha no seu regaço, vos proteja e vos dê a paz de coração! Não estão sós, nem eu irei só. Acompanhar-nos-á o Senhor e o Seu Amor, acompanhar-nos-á o amor que me têm e o amor que vos tenho. Nunca tenham medo. Como nos dizia São Daniel Comboni, «não podemos temer nunca quando temos uma mãe poderosa e amorosa que roga por nós.»

Obrigado à minha paróquia, aqui representada pelo pároco, mestre e amigo, cónego Júlio Rodrigues. Foi nesta comunidade que recebi o Baptismo, a Eucaristia e a Confirmação. Foi aqui que fui catequizado, que dei os primeiros passos na fé, que aprendi os valores do Reino. Posso afirmar que a minha partida para a Etiópia é consequência desta comunidade, que me tornou filho de Deus, me ajudou a sentir-me Igreja e a viver em Igreja. Que São Barnabé acompanhe este seu filho, que o venera!

Estendo este agradecimento às comunidades de Figueira e Barros, Fronteira, Vale de Maceiras e Vale de Seda. Obrigado por tudo o que partilhámos e vivemos juntos, pelo que rezámos, pelas tantas vezes que louvámos o Senhor, pela amizade fraterna. Todos somos missão e a vossa presença aqui é uma presença missionária!

Obrigado Senhor Arcebispo, meu pastor, pela presença amiga. Obrigado por ser um bispo missionário, que desde o início convocou Évora para a missão. Consigo, também eu digo: «Não é a Igreja que faz a missão, é a missão que faz a Igreja.»

Obrigado, queridos amigos. Cada um de vós é uma graça para mim, sois dons que Deus me tem dado. Obrigado pela vossa presença que é sinal de Amor e que tanto me enternece o coração. «Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós; deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.»

Obrigado à família comboniana por tudo o que tem feito por mim, por me ajudar a perceber a vocação de Deus na minha vida, por tudo o que me ajudou a viver, pelas experiências de fé fantásticas que me proporcionou. Que o Senhor nos ajude a viver a missão segundo o carisma de São Daniel Comboni, que possamos ser as mil vidas que Comboni queria dedicar à missão. Obrigado especial aos Leigos Missionários Combonianos, movimento ao qual pertenço e com o qual caminho na vivência da minha vocação laical, missionária e comboniana. Que o Senhor nos ajude a ser santos e capazes, tal como nos pedia Comboni. Queridos LMC, sendo fracos, é na graça de Deus que somos fortes, santos e capazes.

Queridos amigos e amigas, a missão faz-se com os pés dos que partem, os joelhos dos que rezam, as mãos dos que repartem e com a generosidade das comunidades que enviam.

Para mim, o mais importante da missão é a oração e a leitura da Palavra de Deus. Sem oração não há missão. Por isso vos peço: rezem por mim! Rezem pela minha fragilidade, pela minha pequenez. Peçam ao Senhor que me acompanhe, me fortaleça e me ajude a amar com gestos e, se necessário com palavras, o povo para onde me envia, que eu saiba amar e tenha compaixão das pessoas, que eu não tenha medo de me enlamear e de me ferir, por amor às pessoas que passarão a ser a minha comunidade. Agradeço a vossa generosidade!

Etiópia é o destino para onde Deus me envia. Sabem porque parto? Acredito e confio que essa seja a vontade de Deus para mim.

Às várias questões que me colocam: porque vais? Porquê agora? Não gostas do que fazes? Porque deixas a advocacia – curiosamente faz hoje três anos que fiz a minha agregação? A todas elas tenho uma só resposta: Sei em quem pus a minha confiança! A decisão que tomei é a resposta às várias inquietações que Deus colocou no meu coração. Depois de muito discernimento, de muita luta interior, de muitas dúvidas e medos, decidi abrir o meu coração e seguir a Sua vontade. Digo-lhe como o profeta Isaías: «eis-me aqui Senhor, envia-me!». E porque sei em quem pus a minha confiança, também sei que, tal como aconteceu com os profetas de Emaús, o Senhor caminhará comigo a meu lado, será o meu Deus e eu serei o seu filho muito amado. Quando me perguntam se vou sozinho de Portugal, digo sempre que não! Se Deus está comigo, se eu sou templo do Espírito Santo, como poderei ir só?

Tenho consciência de que esta partida terá várias dificuldades: a língua, nova cultura, os medos, a saudade…. Mas, também nesta comunidade, tive exemplos fantásticos de amor, de entrega e de fidelidade na dificuldade que muito me ensinaram e prepararam para agora. Recordo-me, em especial, de um membro desta comunidade. Seu nome era Fausto. Um homem de uma fidelidade a Deus incrível. Apesar das dores, dos problemas de saúde, nunca deixou de participar na Eucaristia. Caiu muitas vezes ao chão no caminho, aleijou-se… Mas sempre foi fiel a Deus e sempre quis viver Deus. Nunca o ouvi queixar-se de dores e era impossível não as ter… Não havia um único dia em que não rezasse o terço. Não sabia ler nem escrever, mas sabia mais de Deus do que eu algum dia saberei… As suas dificuldades eram muitas, mas a sua fidelidade e amor a Deus eram maiores!

Por isso, peço ao Senhor que me ajude a ser fiel ao caminho que escolheu para mim pois, como dizia o Pe. Ivo Martins, missionário comboniano, «a grandeza da missão não está naquilo que fazemos mas naqu’Ele que nos envia.»
Pedro Nascimento, LMC

16 de outubro de 2018

PÃO PARA TODOS



Hoje celebra-se o Dia Mundial da Alimentação, uma boa ocasião para tomarmos consciência da realidade de hoje em termos de comida e da falta dela.

Uma em cada 11 pessoas passa fome: 815 milhões numa população de 7,6 mil milhões. Os dados são das Nações Unidas.

Mas não tem necessariamente de ser assim: a Terra produz alimentos suficientes para todos.

A FAO diz que uma pessoa para viver precisa de cerca de 2500 quilocalorias (kcal) por dia e o mundo produz uma média de 2790 kcal por dia por pessoa.

Se o que a terra produz em termos de comida é mais do que o necessário, então porque é que há fome no mundo?

As razões são variadas: distribuição inadequada de recursos, perda de alimentos devido a armazenamento e transporte deficientes (cerca de um terço), desperdício de comida (mais um terço é estragada), uso de culturas para a produção de energia (os chamados combustíveis vedes), açambarcamentos de terras, insegurança, mudanças climáticas, etc.

O papa assinala-o na encíclica Laudato si’: «O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra, especialmente na África, onde o aumento da temperatura, juntamente com a seca, tem efeitos desastrosos no rendimento das cultivações» (LS 51).

As grandes multinacionais agroindustriais proclamam os organismos geneticamente modificados (OGM) e transgénicos como o milagre para aumentar a produção alimentar e resolver o problema da fome.

É verdade? É pura propaganda.

As sementes transgénicas que colocam no mercado são híbridas e não dão para semear segunda vez. O que eles querem controlar é o mercado mundial das sementes. Depois, ainda não se sabe dos efeitos dos OGM na biologia e no organismo humano.

Jesus propõe-nos a partilha do que temos como princípio de solução do problema da fome. O milagre da multiplicação dos pães ensina isso (Marcos 6, 38-44).

Jesus ensinou os discípulos – e cada um de nós – a pedir «o pão nosso de cada dia nos dai hoje» (Mateus 6, 11; Lucas 11, 3).

É importante notar que Jesus não ensinou: dá-me o pão meu de cada dia; ele usa o plural: «dá-nos o nosso pão de cada dia.»

Quanto rezamos o pai-nosso estamos a pedir o pão de todos, a responsabilizar-nos pela alimentação de todos, incluindo os 815 milhões que passam fome.

Vivemos essa responsabilidade através da partilha do que temos, através de uma sobriedade feliz de vida, combatendo o desperdício e a obesidade.

Rezemos para que não falte a ninguém o pão necessário. Que a quem mais tem, menos lhe baste, e a quem menos tem, mais se lhe acrescente.

15 de outubro de 2018

BENI CHORA: MASSACRES E EBOLA


Quero ante de mais apresentar as minhas saudações na confiança no Amor criador e redentor. O mundo de hoje e particularmente a RDC (República Democrática do Congo) apresenta-nos a injustiça e a corrupção como algo de normal. Um mundo onde os intelectuais são confundidos com os ignorantes, um planeta onde o PODER em exercício não tem ideais, um presidente que não se preocupa do seu povo, mas apenas se aproveita das riquezas do país em benefício próprio, deixando o povo abandonado à sua triste sorte. Assiste-se a um mundo humano sem humanidade, onde reina o poder do mais forte e o pequeno é espezinhado e massacrado. É a expressão da animalidade privada da racionalidade.


O que é que se pode dizer dos últimos massacres, roubos, violações em Ruvenzori, Beni, Oicha, etc.?
Gostaria de salientar aqui as últimas incursões dos presumíveis rebeldes e as suas atrocidades antes de vos apresentar a epidemia do Ébola. Não há praticamente nenhum dia em que não haja vítimas de massacres. No entanto aqueles que mais nos chocaram são os que aconteceram do 03/09/2018 até ao 15/09/2018 que causaram mais de 40 mortes e a debandada da população.

Do 16/09/2018 ao 30/09/2018 foi atacado o centro da cidade de Beni, onde se encontram uma guarnição de tropas congolesas e a MONUSCO (os soldados das Nações unidas no Congo). Os atacantes depois de ter matado duas pessoas raptaram 15 crianças cujas idades variavam de 0 aos 17 anos, incluindo uma criança de três meses.

Durante esses massacres, um suposto rebelde foi morto. Este não tinha qualquer identidade, a não ser a de militar. Tudo leva a crer que era um membro de uma guarnição militar do Congo. Isso até prova em contrário deixa-nos perplexos a ponto de não sabermos quem são realmente os supostos rebeldes que matam os seus compatriotas inocentes e por quê? Fontes locais em Beni confirmam que são os mesmos soldados congoleses mandados pelo governo.

Nas últimas semanas, nenhuma atividade escolar se realizou em Beni. Assim a greve prolonga-se de semana a semana, devido aos contínuos massacres que espalham o terror e a morte.

Em virtude de nossa fé em Jesus, nosso Libertador, não pararemos de gritar. É uma lâmpada que ilumina o mundo, mesmo que o mundo não o queira.

Certamente, com o salmista, podemos dizer que o inimigo agora está a rir-se de nós, mas temos uma palavra de convicção de que nada escapa aos olhos de Deus: quem mata pela espadada, com a espada perecerá. Quem quer que seja que pratique a injustiça e a violência receberá o fruto da mesma. É hora de não cruzarmos os braços, mas de agir como pacificadores, mesmo se desta exija o sacrifício supremo. Que o mundo congolês se atenha a ele. É hora de testemunhar e tirar a vida das mãos do mau pastor que está matando suas ovelhas.

Então queria dizer-te: este caso também é teu. Como poderíamos ficar em silêncio sobre tais situações? As consequências são sérias: mortes repetidas, a taxa de pobreza aumenta de dia para dia nas famílias, o número de crianças marginalizadas, traumatizadas, viuvez e escola fechadas, aldeias desertas, ninguém desta geração pode ficar indiferente ao sofrimento deste povo. Não é esta situação de pobreza e de miséria que está na base de epidemias como ébola e a outras doenças?


Ebola em Beni

A região de Beni na RDC, foi a segunda a ser confirmada como zona afetada pelo Ebola este ano, depois de ter sido erradicada de Bikoro. Esta epidemia não foi e não é um mito. É real. Ela causou a perda de várias pessoas. De acordo com uma fonte no local de Mangina, uma comunidade rural cerca de 30 km de Beni, em Maio de 2018 esta epidemia provocou várias mortes. Dada a precariedade das condições foi necessário esperar até agosto para que esta epidemia fosse detetada.

Apesar do Ministério da Saúde implantar rapidamente o seu equipamento para tratamento do Ebola, continuam a aparecer novos casos, isto porque há uma resistência por parte das pessoas e também por causa de uma dimensão política e comercial no procedimento do Ministério da Saúde. Como consequência, dos 80 mortos confirmados poderíamos adicionar muitos outros casos, que não foram publicados.

O Ebola veio reforçar ainda mais o enfraquecimento da região a todos os níveis. Apresenta-se como um dos maiores meios não só de isolar esta região, mas também de seu despovoamento. É necessário que a população local continue a observar as medidas preventivas disponibizadas pelos serviços de saúde para limitar os danos ao mínimo possível. Mas como fazê-lo em plena ameaça de guerras?

Em conclusão: na República Democrática do Congo, todos os meios são permitidos para que o PODER atual continue e a vida dos cidadãos é ignorada, como se a única realidade fosse as riquezas naturais do Congo, esquecendo que a verdadeira riqueza são as pessoas. A luta ainda é um longo caminho a percorrer. Qual pastor pode ficar em silêncio quando suas ovelhas estão sendo comidas?

Testemunho de um postulante comboniano de Beni

11 de outubro de 2018

ANO MISSIONÁRIO


Os bispos portugueses proclamaram um ano missionário de outubro de 2018 a outubro de 2019 para apelar «a um maior vigor missionário». Fizeram-no em resposta à declaração do Mês Missionário Extraordinário de outubro de 2019 por parte do Papa Francisco para «despertar e em medida maior consciência da missio ad gentes e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral» como o próprio explica na carta por ocasião do centenário da promulgação da carta apostólica Maximum illud (MI). 

Bento XV escreveu a MI «sobre a propagação da fé católica no mundo inteiro» a 30 de novembro de 1919, no rescaldo da grande hecatombe que foi a primeira Grande Guerra. Propôs revitalizar a missão através da santidade – «seja homem de Deus aquele que prega Deus» (MI 41), da localização da Igreja (inculturação, formação do clero local e do episcopado autóctone), de uma pastoral de conjunto, e o fim dos nacionalismos e ostentação da parte dos missionários estrangeiros.

«Bento XV deu um particular impulso à missio ad gentes, esforçando-se, com os meios concetuais e comunicativos de então, por despertar, especialmente no clero, a consciência do dever missionário», sublinha Francisco.

Os bispos portugueses intitularam a nota pastoral «Todos, tudo e sempre em missão». TODOS, porque cada cristão é missionário em virtude do batismo; TUDO, porque a missão deve ser «capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação» (EG 27); SEMPRE, porque constituídos «em estado permanente de missão» (EG 25).

A nota faz uma síntese (quase) perfeita da Doutrina Missionária da Igreja. Está dividida em quatro subtítulos: (1) Encontro pessoal com Jesus Cristo, (2) Em estado permanente de Missão, (3) Viver a Missão, e (4) Renovação missionária.

Os bispos recordam, citando Francisco, que «é tarefa diária de cada um “levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, porque o anúncio do Evangelho, Jesus Cristo, é o anúncio essencial, o mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, o mais necessário” (EG 127).»

Propõem para o ano missionário as quatro dimensões que o Papa sublinhou para o Outubro Missionário: a) Encontro pessoal com Jesus Cristo através da Eucaristia, Palavra, oração pessoal e comunitária; b) Testemunhos; c) Formação bíblica, catequética, espiritual e teológica em chave de missão; d) Caridade missionária.

O episcopado sublinha a alegria e a cordialidade como elementos fundamentais da missão:
  • «No centro desta iniciativa, que envolve a Igreja universal, estão a oração, o testemunho e a reflexão sobre a centralidade da missão como estado permanente do envio para a primeira evangelização (Mt 28,19). Trata-se de colocar a missão de Jesus no coração da própria Igreja, transformando-a em critério para medir a eficácia das estruturas, os resultados do trabalho, a fecundidade dos seus ministros e a alegria que são capazes de suscitar, porque sem alegria não se atrai ninguém.» 
  • «Do encontro com a Pessoa de Jesus Cristo nasce a Missão que não se baseia em ideias nem em territórios, mas “parte do coração” e dirige-se ao coração, uma vez que são “os corações os verdadeiros destinatários da atividade missionária do Povo de Deus”.» 
A nota recorda o testamento de São Daniel Comboni no leito da morte: «Coragem para o presente, e sobretudo para o futuro.» Coragem é agir com o coração.

Os bispos voltam a insistir no estabelecimento dos Centros Missionários Diocesanos e dos Grupos Missionários Paroquiais oito anos depois de proporem o projeto e advogam uma pastoral missionária para e a partir dos jovens.

Terminam com um voto: «Que este Ano Missionário se torne uma ocasião de graça, intensa e fecunda, de modo a que desperte o entusiasmo. E que este jamais nos seja roubando! Nesse entusiasmo, a formação missionária deve perpassar toda a nossa catequese e as escolas de leigos, e ser inserida nos currículos dos Seminários e das Faculdades de Teologia.»

Este voto deixa pistas preciosas para a nossa animação missionária em Ano Missionário, uma ocasião de ouro para relançar em novos modos esse serviço fundamental às Igrejas locais que os bispos pediram às congregações missionárias e é expressão da nossa missão na Europa.

9 de outubro de 2018

DAR A VIDA PARA QUE TODOS TENHAM VIDA



Solenidade de São Daniel Comboni, 10 de outubro de 2018 

«Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão-de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor» (Jo 10, 14-16) 


Caros coirmãos,

Celebrar a memória do verdadeiro nascimento de São Daniel Comboni introduz-nos no grande mistério da vida do Bom Pastor do coração trespassado que deu a sua vida para que todos tenham vida e vida em abundância, sobretudo aqueles que ainda não pertencem à mesa do corpo de Cristo, os mais pobres e abandonados, para que se tornem um só rebanho e um só pastor.

Nós, Missionários Combonianos, fiéis a esta tradição, ao carisma e à prática pastoral do nosso Fundador, somos convidados renovar-nos neste empenho missionário diariamente para «ser nas fronteiras testemunhas e profetas de relações fraternas, fundadas no perdão, na misericórdia e na alegria do Evangelho» (DC ’15 n.º 1).

A missão na fronteira exigia de Comboni a capacidade de permanecer firme em tempos difíceis e a fidelidade a custas da própria vida, porque tinha o olhar no coração trespassado do Crucificado, uma visão de fé dos acontecimentos e o abraço à Nigrícia com um coração marcado pelo amor divino. Uma santidade encarnada que percorre os caminhos da pobreza e da marginalização humana, acolhendo o outro, os diferentes, os pobres, num abraço de comunhão e de diálogo: uma santidade que é a paixão divina que vive num coração humano.

É isto que procurámos exprimir na reflexão e na oração na Intercapitular que concluímos há pouco. Estivemos constantemente atentos à voz das vítimas, dos marginalizados, das grandes multidões de seres humanos cuja vida se vê ameaçada por um sistema sem coração que produz a morte antecipada e violenta dos mais fracos.

Esta realidade continua a interpelar profeticamente a nossa presença e a qualidade do nosso serviço missionário como interpelou Comboni no seu tempo. Porém, para responder a estes desafios, precisamos de aproximar-nos, hoje em dia, ao mistério do amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, com o espírito, o olhar e o coração de Comboni, com um coração aberto e transbordante de amor e de misericórdia do Trespassado e, como Ele, deixar-nos trespassar por tantas situações de pobreza e abandono.

Para São Daniel Comboni era claro que a contemplação do mistério de Deus, crucificado por amor, tinha como objectivo conduzir os missionários a um modo de ser missão para testemunhar uma vida vivida em «espírito e verdade», fruto de uma oração suculenta e decisiva, da prática da humildade e da obediência, como sinais de uma espiritualidade profundamente comboniana. Ou seja, irradiar com a nossa vida o mistério de Deus Crucificado para aproximar de Cristo, fonte da Vida, todos aqueles que têm fome e sede de justiça.

É com estes sentimentos que queremos celebrar esta solenidade de São Daniel Comboni como Família Comboniana. Entrar neste mistério do Bom Pastor do coração trespassado e beber a seiva que nos renova, que nos faz olhar a realidade com os olhos da fé, da esperança e da caridade, que nos cura e nos humaniza, que nos faz tornar missão, «cenáculo de apóstolos», dom para os outros. «Quero partilhar a vossa sorte e o dia mais feliz da minha existência será aquele em que eu possa dar a vida por vós» (Escritos 3159).

Que São Daniel Comboni interceda junto do Pai por cada um de nós, por toda a Família Comboniana e pelas missões que neste momento se encontram em situações difíceis: Eritreia, Sudão do Sul, República Democrática do Congo, República Centro-Africana.

Boa festa para todos.
P. Tesfaye Tadesse Gebresilasie 
P. Jeremias dos Santos Martins 
P. Pietro Ciuciulla 
P. Alcides Costa 
Ir. Alberto Lamana

5 de outubro de 2018

A MISSÃO PARA MIM


A missão tem sido o coração da minha vida. Muito especialmente, desde o dia em que Deus me consagrou com o selo e o cariz de missionário comboniano.

Sou Feliz de nome e felicíssimo como missionário. Muito embora com sombras e obscuridades, o Sol brilha sempre mais forte no meu caminho e sinto o Deus da misericórdia ao meu lado.

A alegria em Deus e no coração sempre me tiveram por companheiro. Porém, ninguém pense que esta se manifesta só através de uma cara risonha ou às gargalhadas. Deus conhece-me por dentro e por fora e sabe da minha alegria.

Mas o meu ser feliz não é segredo exclusivo de Deus. Sinto, de facto, grande satisfação, como ser humano que sou, quando as pessoas à volta também se apercebem da minha alegria.

A missão nasce nas relações de amizade e encontra terreno fértil nos caminhos do deserto onde Deus desce e nos vem matar a sede a todos nós que, juntos, caminhamos.

Sou feliz mesmo quando não me apercebo da conversão ao cristianismo de alguém que caminha comigo e não pede o baptismo. Conversões anónimas que o Espírito Santo, o verdadeiro protagonista da missão, vai assistindo e fortalecendo.

Sou feliz na missão do Darfur, Sudão, onde fui enviado para ser sinal do amor e da misericórdia de Deus a quem não me canso de agradecer.
P. Feliz Martins
Missionário Comboniano

3 de outubro de 2018

FRANCISCO, O AFRICANO



O papa argentino traz a África no coração.

Francisco tem um grande amor à África: o continente está presente nas três exortações apostólicas e na encíclica Laudato si’.

Na exortação apostólica A alegria do Evangelho n.º 62 escreve: «Há alguns anos, os Bispos da África […] assinalaram que muitas vezes se quer transformar os países africanos em meras «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigantesca.»

No n.º 246 acrescenta: «Dada a gravidade do contratestemunho da divisão entre cristãos, sobretudo na Ásia e na África, torna-se urgente a busca de caminhos de unidade.»

O continente também é referido no n.º 28 da exortação apostólica A alegria do amor: «Nalguns países, especialmente em várias partes da África, o secularismo não conseguiu enfraquecer alguns valores tradicionais e, em cada matrimónio, gera-se uma forte união entre duas famílias alargadas, onde se conserva ainda um sistema bem definido de gestão de conflitos e dificuldades.»

Na carta encíclica Laudato si´ escreve no n.º 28: «A pobreza da água pública verifica-se especialmente na África, onde grandes sectores da população não têm acesso a água potável segura, ou sofrem secas que tornam difícil a produção de alimento.»

No n.º 51 acrescenta: «O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da Terra, especialmente na África, onde o aumento da temperatura, juntamente com a seca, tem efeitos desastrosos no rendimento das cultivações.»

No n.º 32 da exortação apostólica Alegrai-vos e exultai, apresenta a sudanesa Bakhita como modelo de santidade: «Isto vê-se em Santa Josefina Bakhita, que, “escravizada e vendida como escrava com apenas sete anos de idade, sofreu muito nas mãos de patrões cruéis. Apesar disso compreendeu a verdade profunda que Deus, e não o homem, é o verdadeiro Patrão de todos os seres humanos, de cada vida humana. Esta experiência torna-se fonte de grande sabedoria para esta humilde filha da África”.»

O papa argentino foi ainda mais «africano» numa entrevista recente à Reuters: denunciou que «no nosso inconsciente colectivo há qualquer coisa dentro de nós que diz que a África deve ser explorada» e defendeu o investimento ordenado no continente «para criar emprego, não para ir lá explorá-la». Frisou que o subsolo africano – as riquezas naturais – ainda não é independente.

Lampedusa, uma ilha italiana ao largo da Tunísia, foi a primeira visita de Francisco em Julho de 2013. Voltou à África no fim de Novembro de 2015 para visitar o Quénia e Uganda e levar à martirizada República Centro-Africana com uma mensagem de paz e reconciliação. Aí abriu a primeira Porta Santa do Ano da Misericórdia. De volta ao Vaticano, anunciou: «A África é linda!»

Esteve no Egipto em Abril de 2017 e queria visitar o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo em Outubro desse ano para mediar nos seus conflitos sangrentos. A viagem foi adiada devido à insegurança. Na oração pela paz nos dois países a que presidiu em Novembro do ano passado denunciou as chacinas de mulheres e crianças. Ofereceu 500 mil dólares para apoiar projectos de desenvolvimento no Sudão do Sul e deu 25 mil euros à FAO para apoiar as pessoas afectadas pela fome na África Oriental.

A África tem no papa argentino um paladino amigo incondicional.

1 de outubro de 2018

MENSAGEM DA INTERCAPITULAR



Queridos coirmãos,

Saudamos-vos na paz de Cristo.

Na conclusão dos trabalhos da Assembleia Intercapitular, queremos dirigir-vos uma mensagem de comunhão e gratidão pelo que sois e fazeis no quotidiano da missão. Nestas semanas, estivestes presentes nas nossas orações e, certamente, também vós nos acompanhastes na revisão do compromisso missionário do Instituto, com o amor e a paixão de São Daniel Comboni.

Começámos por observar a nossa realidade e a dos povos com quem vivemos: não apenas a partir de dados e estatísticas, mas sobretudo com o olhar da fé e com um coração solidário. Perguntámo-nos como transformar o peso das situações num kairós de esperança. Viver hoje o carisma comboniano, dissemo-lo a nós próprios, é tomar consciência das transformações que estão a acontecer e aprender a mostrar o Deus da história, sempre próximo dos últimos da terra. A leitura da realidade, bela e trágica ao mesmo tempo, tocou-nos profundamente, chamando-nos à conversão pessoal e comunitária, para «ser missão» num mundo renovado pelo Evangelho de Jesus.

A missão, hoje mais do que nunca, pede coerência de vida e uma espiritualidade cada vez mais próxima a Jesus e ao seu projeto. Não podemos viver a missão sem levar a sério o seu chamamento à santidade.

O nosso carisma é claro e dinâmico, mas deve retornar às fontes que o renovam. O novo paradigma da missão, do qual fala o Capítulo, deve surgir da relação afetiva com a Trindade e tornar-se serviço à comunhão, gerador de novas relações humanas baseadas na justiça e na misericórdia. Estas relações de fraternidade devem renovar-nos a partir de dentro, levar-nos a uma opção radical pelos mais pobres e a cuidar da «casa comum». Somos discípulos missionários do Senhor ressuscitado, que devolvem aos povos e à criação a dignidade que, desde o princípio, receberam do Deus-Amor.

Dentro em breve, ireis receber uma síntese sobre o discernimento, a avaliação e a programação feitos em relação às diferentes dimensões da vida do Instituto. Demos atenção ao cuidado das pessoas e das comunidades, valorizamos a riqueza da experiência nos vários continentes, acolhemos os desafios da interculturalidade e do compromisso missionário em contextos e sobre temáticas interprovinciais. Os vários relatórios apresentados ajudaram-nos a entender a situação atual do Instituto; aprofundamos o trabalho e as perspetivas dos secretariados da Missão (na sua nova estrutura com a Animação Missionária, JPIC e LMC), da Formação (de base e permanente) e da Economia. Fizemos memória viva dos nossos «santos e mártires» e detivemo-nos no acompanhamento específico dos nossos irmãos idosos e doentes.

Todos valorizaram particularmente o processo de revisitação da Regra de Vida, que está a favorecer uma partilha maior das nossas experiências e das expectativas mais profundas de cada um de nós.

Preocupações e esperanças fundiram-se em nós nestas semanas.

Escrevemos uma carta ao Papa Francisco para lhe expressar a nossa proximidade e apoio nas escolhas que cada vez mais parecem isolá-lo, mesmo dentro da Igreja.

Acompanhamos com alegria os esforços de paz no Sudão do Sul e entre a Etiópia, a Eritreia e a Somália, as etapas de reaproximação das duas Coreias e os desenvolvimentos de um novo diálogo entre a Igreja e o governo chinês com o acordo sobre a nomeação dos novos bispos.

Partilhámos a dor das famílias do naufrágio recente no Lago Vitória, na Tanzânia, e das vítimas de eventos climáticos extremos nas Filipinas, China, Estados Unidos e Nigéria. São apelos para incluir nas nossas preocupações missionárias também a grave crise socioambiental, provocada pelo atual modelo neoliberal de produção e consumo.

Condenámos o massacre dos civis inocentes na cidade de Beni, no Kivu do Norte, República Democrática do Congo, bem como as vítimas de grupos fundamentalistas pelo controle de recursos naturais, no norte de Moçambique.

A situação sempre preocupante da República Centro-Africana e a crise na Venezuela e na Nicarágua não nos deixaram indiferentes.

Rezámos pelo Pe. Pierluigi Maccalli, SMA, sequestrado por fundamentalistas islâmicos no Níger.

Chorámos a morte de mais de cem migrantes no Mediterrâneo e refletimos sobre a vida precária de muitos migrantes que fogem da guerra, da fome e das mudanças climáticas em muitas partes do mundo.

Vimos nesta humanidade sofredora o povo da promessa, a caminho dos novos céus e da nova terra (2Pd 3, 13) onde a justiça terá uma morada estável. Cabe a nós missionários preparar e abrir este caminho!

No final do encontro, todos nos comprometemos a renovar o carisma missionário recebido de Comboni, a quem repetidamente invocámos na nossa assembleia. Que seja ele a conduzir-nos neste tempo e a projetar-nos com esperança no futuro.
A ele, finalmente, confiámos o trabalho nestes dias.
A Assembleia Intercapitular
Roma, 29 de setembro 2018