A vida consagrada, que floriu no deserto egípcio, é a grande prenda da África à Igreja e ao mundo.
O Ano da Vida Consagrada – que estreou a 30 de Novembro de 2014 e terminou em Roma a 2 de Fevereiro e em Fátima cinco dias depois – foi proclamado pelo Papa Francisco para «fazer memória agradecida do passado, viver o presente com paixão e abraçar o futuro com esperança».
A memória das raízes da vida consagrada leva-nos às areias do deserto egípcio e às margens do Nilo onde ensaiaram os primeiros passos e ganhou forma.
Por volta do ano 280, Antão, ou António, após a morte dos pais, decidiu vender os bens da família, distribuir o dinheiro pelos pobres e dedicar-se à oração no silêncio, vivendo primeiro na periferia da sua aldeia e depois num cemitério. Quinze anos mais tarde, atravessou o Nilo e internou-se no deserto, ocupando as ruínas de um fortim abandonado para rezar, ler as Escrituras e lutar com Satanás. As tentações de Santo Antão são uma referência temática na arte ocidental de Bosch (século XV – que pode ser admirado no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa) a Salvador Dalí (século XX).
Aos 55 anos, Antão aceita o desafio maior de iniciar no monte Pispir, a uma centena de quilómetros a sul do Cairo, outros homens na vida solitária com Deus. Tornou-se o pai e mestre dos monges. Faleceu em 356 com a bonita idade de 105 anos, segundo algumas crónicas.
Entretanto, em 323, São Pacómio (292-346) iniciou em Tabenese, no Alto Egipto, a primeira comunidade monástica masculina por razões de segurança, ao que parece: os monges solitários em lugares desertos eram presa fácil para os salteadores. Dezassete anos mais tarde, fundou o primeiro mosteiro feminino para a sua irmã Maria. Do deserto egípcio, a vida consagrada estendeu-se à Síria, à Etiópia, ao mundo.
Quase 1700 anos depois, a vida consagrada em África está viva e recomenda-se como reconheceu o Cardeal João Bráz de Assiz, prefeito brasileiro da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, durante a conferência «Vida Consagrada em África, ontem, hoje e amanhã» que em Setembro reuniu em Nairobi mais de 1000 participantes dos 168 institutos femininos e 78 masculinos presentes no Quénia.
Tentei descobrir os totais das congregações e respectivos membros em África, mas apesar de algumas mensagens electrónicas para diversos departamentos do Vaticano e outros contactos, apenas consegui a informação genérica de que o número de consagrados e consagradas (locais e estrangeiros) no continente ronda os 80 mil e a crescer. A crescer e a debater-se com alguns problemas concretos como a sobrevivência económica, o exercício da autoridade e os desafios da globalização do individualismo. Daí a convocação do Cardeal Assiz em Nairobi: «Temos de refazer a nossa vida comunitária na espiritualidade da comunhão.»
A vida consagrada começou no Norte de África como procura individual e comunitária de Deus no silêncio e solidão dos desertos externos e interiores através da frugalidade austera de uma vida mínima. Acabou no serviço dedicado aos mais pobres e necessitados, o lugar que Deus habita com especial predilecção.