28 de fevereiro de 2007

Hora sudanesa

Quando era miúdo, achava piada à maneira como a minha avó falava das horas: para ela, havia o meio-dia novo (12h00) e o meio-dia velho (13h00).
Em Juba, descobri outro conceito diferente do tempo: a hora sudanesa.
Explico.
Ontem fui convocado para uma conferência de imprensa que o Dr. Riek Machar, Vice-Presidente do Sul do Sudão, iria dar às 17h00 sobre o desarmamento da sociedade civil.
Às 17h00 estava eu no Sunflower Inn, junto ao Nilo Branco para a referida conferência com outros camaradas da imprensa, rádio e televisão. Mas o agendado encontro com a comunicação social - «com a matilha das hienas», como gracejava a correspondente da Reuters - só aconteceu às 19h50!
Foi agradável estar ali junto ao Nilo Branco, com uma garrafa de água fresca - estava em serviço! - a contemplar o entardecer, a ver as barcaças chegarem de Kosti carregadas de mercadorias, trocar impressões sobre Juba, os seus problemas e a sua história, sobre a actividade jornalística com a música de Bob Marley em fundo. Mas tinha tanto que fazer!
Quando me lamentei com a correspondente da Reuters que assim não dava, ela, que chegou depois das 18h00, respondeu: «Quem te manda ser burro? Não conheces a hora sudanesa?»
De facto, aqui é normal começar qualquer acto com uma ou mais horas de atraso. É a hora sudanesa, pois claro! Por isso é que um colega da Rádio Sul do Sudão, comentou resignado: «O jornalista deve ser a pessoa mais paciente do mundo».
«Senão não apanha nada», concluí!

27 de fevereiro de 2007

A centopeia

Um fulano vivia sozinho e, por isso, achou que a sua vida melhoraria bastante se tivesse um animalzinho de estimação por companhia.
Foi a uma loja de animais e disse ao empregado que queria um bichinho mas fora do comum. Ele era especial.
Depois de alguma discussão, chegaram à conclusão que deveria ter uma centopeia por companhia. A centopeia é mesmo um bichinho de estimação fora do comum: tão pequeno e logo com 100 pés!!!
A centopeia veio dentro de uma caixinha branca, a sua nova casinha...
O centopário levou a caixinha para casa, arranjou um bom lugar para a colocar e achou que a melhor recepção que podia fazer à nova companhia era levá-la a tomar uma cervejinha...
- Gostavas de ir comigo ao bar da esquina tomar uma cerveja?
A pergunta ficou sem resposta.
Meio chateado, esperou um pouco e perguntou de novo:
- Que tal ires comigo tomar uma cervejinha, hei?
Silêncio da nova amiguinha...
Esperou mais um pouco, pensando e repensando sobre o que estava a acontecer. Chegou-se à caixinha branca e gritou:
- EI, Ó SURDA!!! QUERES IR OU NÃO COMIGO AO BAR DA ESQUINA TOMAR UMA CERVEJA?
Uma vozinha veio lá de dentro da caixinha:
- Calma que não sou surda! Estou a calçar os sapatos.
Esta é gira, Ju!

26 de fevereiro de 2007

Realpolitk

O Conselho Provisório Nacional do SPLM reuniu-se em Yei, de 8 a 12 de Fevereiro, para debater a transformação do Movimento de Libertação do Povo Sudanês em partido político.
A decisão mais bombástica foi a transferência da sede nacional do SPLM de Juba para … Cartum. O SPLM assume-se como partido nacional, defensor da unidade do país e pronto para disputar as eleições com o Congress Party, do presidente Al Bashir.
«Não temos medo da concorrência. Temos a confiança do povo», declarou Pagan Amum, secretário-geral do Sector Sul do SPLM.
O SPLM iniciou uma ronda de contactos com partidos da oposição sudanesa para partilhar as conclusões da reunião do politburo em Yei. Pagum Amum já se encontrou com a liderança da NDA (Aliança Democrática Nacional) e do Partido Umma para «promover paz e democracia no Sudão».
Dr. Abdal-Nebi Ali Ahmed, presidente do Umma, declarou querer trabalhar com o SPLM «para resolver os problemas do país.»
A mudança da sede nacional do SPLM de Juba para Cartum é um acontecimento extraordinário na história do movimento que lutou contra Cartum durante 21 anos pela autodeterminação e mais um sintoma das suas tensões internas. Há quem defenda a independência total do Norte – o referendo de 2011 será para sancionar a autodeterminação – e quem prefira manter o status quo de unidade nacional com algum grau de independência e acesso aos rendimentos do petróleo para o sul.
Em 2008 o Sudão vai votar para o Parlamento nacional e para o do Sul do Sudão. O SPLM espera vencer as eleições e governar o país.
Por outro lado, o SPLM decidiu entrar no mundo dos negócios para gerar receitas próprias. O presidente Salva Kiir nomeou um comité para «desenvolver recursos financeiros do SPLM, identificar as oportunidades de investimento credíveis para esses recursos, e preparar planos para administrar e desenvolver esses recursos e para executar esses planos», enuncia o decreto presidencial.

25 de fevereiro de 2007

José

Não sou o único português em Juba nem o primeiro a chegar à capital do Sul do Sudão. Antes de mim veio outro José, Lopes de sobrenome, que trabalha na formação da magistratura, patrocinado pela União Europeia. É da zona de Coimbra
A maneira como nos conhecemos foi atípica.
Passo a contar!
A nossa cozinheira descansa ao domingo. Por isso, normalmente vamos almoçar fora. E variamos de restaurante de acordo com o que nos apetece. Normalmente vamos ao Safari comer fígado ou peixe frito. Quando queremos frango, vamos uma espécie de tasca na estrada nova para o Aeroporto. Come-se bem, mas com as mãos: frango e pão e um molho picante. Pois claro, estamos em África.
Naquele domingo fomos ao Café de Paris comer uma piza. Um lugar mais chique, dirigido por um jovem do Burindi. Tínhamos uma visita do Uganda e queríamos ser bons anfitriões.
A piza – muito cara – estava uma maravilha.
No fim, disse em inglês alto e em bom som:
- No meu país dizemos: Comi como um padre!
Um «kawaja» de meia idade, que estava entretido a dedilhar o portátil na mesa ao lado, levantou a cabeça e perguntou também em inglês:
- Desculpe: de onde é?
- De Portugal!
- Bem me parecia. Eu também!
E assim nos encontrámos.

Refracções

© JVieira

CAMINHA

Caminha!
Só te peço que caminhes
Que continues
Ainda que não entendas…
Caminha!
Os teus passos
Ninguém os entende,
Indicam-te outro caminho,
Querem fazer prevalecer
As suas vontades
Sobre a tua.
Não deixes,
Dá-lhes só uma resposta:
Caminha!
Não esperes que te entendam,
Ninguém o fará.
Críticas? Muitas,
Mas mesmo assim continua,
Caminha!
Quando já não tiveres forças,
O cansaço se apoderar de ti,
E o suor descer sobre o teu rosto,
Não pares,
Caminha.
Porque há aqueles que caminham
E não sabem onde vão.
Mas tu, sim!
Sabes onde te leva o teu
Caminhar!

24 de fevereiro de 2007

Vizinhos

© JVieira


Nas traseiras de Comboni House, onde vivo, havia uma pequena praça. Havia, porque o espaço se transformou em quartel «informal» da segurança pessoal de Oboto Mamur, um dos cinco comandantes do SPLA, que é nosso vizinho.
O comandante Oboto Mamur veio de Torit, perto da fronteira com o Uganda, e pertence à etnia lotuko. Tem cerca de uma centena de homens no seu exército pessoal.
«Quando se chega a um determinado posto não se pode confiar em ninguém», explicou-me um sudanês.
Os homens do comandante Mamur não são grande vizinhança. Fizeram a «casa-de-banho» junto à nossa vedação e temos que aguentar o cheiro e a cena diária do banho «semi-público». Além disso, às vezes disparam durante a noite e têm o hábito de ouvir música em altos brados até tarde.
Os arbustos da nossa vedação também sofrem cada vez que varrem a improvisada parada. Um hóspede sudanês uma vez repreendeu os militares por estarem a danificar os arbustos. «São dos kawaja», dos estrangeiros – responderam. Ambiente sofre!
O que mais me choca é o caldo de violência em que esses militares vivem. Na parada da manhã, durante o nosso pequeno-almoço e diante da janela do refeitório, assistimos, sem querer, ao espectáculo horrível da punição dos faltosos. O castigo mais violento é o espancamento. Os culpados deitam-se no chão e são vergastados repetidas vezes.
Os soldados depois vingam-se da humilhação na população civil. No domingo, um homem foi amarrado e deitado no chão e maltratado durante bastante tempo até que o deixaram ir. Quando estava a uma distância segura começou a apedrejar os captores.
Um dos factores de insegurança no sul do Sudão são precisamente os exércitos privados dos comandantes locais e Juba é uma cidade altamente militarizada. As suas ruas são cruzadas constantemente por viaturas militares e da polícia: da UNMIS, do SPLA, das Forças Armadas Sudanesas, das diversas polícias (ONU, trânsito e outras forças). E, pelos vistos, das seguranças privadas dos muitos comandantes e chefes locais.

23 de fevereiro de 2007

22 de fevereiro de 2007

Sabedorias

O CAÇADOR QUE FALOU DE MAIS

Pela boca morre o peixe, diz-se entre nós. Esta fábula do Benim vai um pouco mais longe: quem fala sem pensar bem no que diz pode causar muito dano a si e aos outros.

Era tempo de escassez, como muitas vezes acontece em África, onde a fome e a sede visitam com frequência as aldeias. Um dia, de manhã cedo, apenas o galo cantou pela primeira vez, Koumba, o caçador, juntou as suas flechas e o seu arco e embrenhou-se pela floresta à procura de caça. Andou durante muito tempo, até o Sol nascer, mas de caça nem o rasto…
Koumba não se deixou vencer e continuou a sua busca durante o dia, até ao pôr do Sol. Estava a ficar desanimado por ter de regressar à aldeia de mãos a abanar, quando de repente deparou com o sapo Ponta, que tecia algodão enquanto guardava o seu campo de milho. Uma coisa nunca vista: um sapo tecedor que cultivava um campo de milho!
O caçador aproximou-se devagar, com prudência, para cumprimentar o sapo. Ponta mostrou-se muito cordial e convidou-o a sentar-se e a comer uma espiga de milho, que entretanto ele mesmo acabara de assar nas brasas. O caçador comeu com gosto. Era tempo de escassez e há muito que não comia milho tão saboroso.
Quando Koumba se levantou, para regressar a sua casa, Ponta recomendou-lhe:
– Do que viste, não deves contar nada a ninguém. Recorda-te: «A boca de um homem pode dar-lhe a vida ou causar-lhe a morte!»
Koumba tranquilizou-o:
– Não te preocupes, não sou uma pessoa que dá com a língua nos dentes! E pôs-se a caminho para regressar à aldeia.
Mas o que tinha visto era de tal maneira extraordinário que, apenas chegou à aldeia, se esqueceu da promessa e foi direito à casa do rei, não descansando enquanto não lhe contou tudo:
– Meu rei, disse-lhe, não imaginas o que me aconteceu: andava à caça na floresta quando descobri numa clareira um grande campo de milho onde as plantas cresciam apesar da seca. E o mais surpreendente é que o dono do campo era um sapo fiador!
– Um sapo fiador a guardar o seu campo de milho?! Não pode ser verdade, disse o rei, isso é coisa que tu inventaste.
– Não, insistiu Koumba, não se trata de um sonho. Vi o sapo com os meus olhos e comi as espigas do seu campo! Se não acreditas, meu rei, eu posso mostrar-te o campo, se tiveres a bondade de me seguir pela floresta.
Como na aldeia reinava a fome, o rei decidiu seguir Koumba à descoberta do campo de milho. Se se trata de uma mentira, sentenciou o rei, vais arrepender-te: farei de ti meu escravo.
Koumba, acompanhado pelo rei e pelos seus homens a cavalo, embrenhou-se de novo pela floresta, seguindo o caminho que tinha feito no dia anterior e chegou finalmente à clareira onde tinha descoberto o campo de milho e o seu insólito cultivador. Mas de Ponta e do seu campo de milho nem rasto!
– Devo ter-me enganado no caminho – confessou Koumba. – Vamos por este outro carreiro.
Caminharam até ao cair do Sol sem encontrar o campo de milho. O rei perdeu a paciência:
– Koumba, como pudeste mentir ao teu rei e inventar uma história destas em tempo de escassez?! Pagarás por isso e, a partir de hoje, tu e a tua família sereis meus escravos!
Só então Koumba se lembrou das palavras que Ponta lhe tinha dito ao despedir-se: «A boca de um homem pode dar-lhe a vida ou causar-lhe a morte!» Mas era tarde de mais. Conta-se que Koumba e a sua família foram os primeiros escravos daquela aldeia. Por isso, ensina-se que é bom ser-se discreto porque quem fala sem pensar bem no que diz pode causar muito dano a si e aos outros.
Paolo Valente em «Além-Mar»

20 de fevereiro de 2007

Código feminino

Afinal Daniel Awet não anda só preocupado com o cruzar dos ciclistas com militares. O Governador do Lakes State também decretou um código de conduta para mulheres.
No Lakes State, no coração do Sul do Sudão, elas não podem vestir calças, não podem usar óculos escuros, não podem vestir blusas ou T-shirts justas, não podem mostrar o umbiguinho e… acima de tudo, não podem andar de bicicleta. Pois claro!
Descobri todas estas proibições quando comentava com um padre de Rumbek a notícia do The Juba Post sobre o código do ciclista.
Para o referido clérigo, a fonte da legislação restritiva sobre bicicletas - e mulheres - no Lakes State não é o Governador, mas sim o chefe da segurança do estado. O homem tem mesmo um problema freudiano com os velocípedes.
Aqui fica a suposta correcção para que conste.

19 de fevereiro de 2007

Código do ciclista

Daniel Awet, Governador do Lakes State, decretou que homens-ciclistas, ao cruzarem-se com militares ,devem desmontar o velocípede em sinal de respeito.
The Juba Post noticiou que dois seguranças privados não respeitaram a lei e viram as respectivas bicicletas confiscadas na cidade de Rumbek. Salvou-os do aperto a intervenção da UNMIS, a Missão das Nações Unidas no Sudão.O semanário de Juba conta ainda que os soldados do SPLA se divertem a derrubar ciclistas. Viajam em pick-ups em alta velocidade – alguns com metralhadoras pesada montadas na parte de trás – e atingem os velocipedistas com canas de bambu
.

18 de fevereiro de 2007

Bicicletas

No Kosovo quem não tem bicicleta não vê futebol!
Obrigado, Rebelo

VIRTUAL

Entrei apressado e com muita fome no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, porque queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns «bugs» de programação num sistema que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias, coisa que há tempos que não sei o que são.
Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja. Afinal de contas fome é fome, mas regime é regime não é?
Abri o meu portátil e apanhei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:
- Senhor, não tem umas moedinhas?
- Não tenho, menino. Só uma moedinha para comprar um pão.
- Tá bem, eu compro um.
Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de e-mail. Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com as piadas malucas. «Ah! Essa música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos.»
- Senhor, peça para colocar manteiga ou queijo.
Percebo nessa altura que o menino tinha ficado ali.
- Okey. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?
Chega a minha refeição e com ela o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino ir embora. O peso na consciência, impedem-me de o dizer. Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e, mais uma refeição decente para ele.
Então sentou-se à minha frente e perguntou:
- Senhor o que está fazer?
- Estou a ler uns e-mails.
- O que são e-mails?
- São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet - sabia que ele não ia entender nada, mas, a título de livrar-me de questionários desses -. É como se fosse uma carta, só que via Internet.
- Senhor, você tem Internet?
- Tenho, sim! É essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet?
- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual.
- E o que é virtual?
Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele pouco vai entender e deixar-me-ia almoçar, sem culpas.
- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar, pegar... É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.
- Que bom isso. Gostei!
- Menino, entendeste o significado da palavra virtual?
- Sim, também vivo neste mundo virtual.
- Tens computador?! – exclamo.
- Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira... virtual. A minha mãe fica todo o dia fora, chega muito tarde. Quase não a vejo, enquanto eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa. A minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo. O meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia. Isto é virtual, não é senhor?
Fechei o portátil, mas não fui a tempo de impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado. Esperei que o menino acabasse de literalmente "devorar" o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um «Bigado senhor, você é muito simpático!».
Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos
!
Obrigado, Fernando

16 de fevereiro de 2007

Orçamento

© JVieira


O Governo do Sul do Sudão aprovou o orçamento para 2007. Dos mais de 1,5 mil milhões de dólares disponíveis para as despesas de Estado, 550 milhões vão para o SPLA (sigla em inglês do Exército de Libertação do Povo do Sudão), o exército sulista. O ministro tinha pedido 750 milhões. Habitação, Terras e Serviços Públicos foi o segundo ministério mais beneficiado seguido da Educação.
O SPLA gasta 40 por cento do total do orçamento. A segurança é uma das questões mais delicadas do Sul do Sudão. Por causa dos ataques do LRA (o Exército de Resistência do Senhor, os rebeldes do vizinho Uganda), por causa das lutas inter-tribais, e por causa do Norte.
O Juba Post noticiou que duas empresas de defesa norte-americanas estão a treinar o SPLA. Alguns observadores estão afirmam que se a implementação do CPA (Tratado Global de Paz) continuar a ser boicotada por Cartum, dentro de dois anos o Sul proclama a independência unilateral. E os americanos querem reconquistar o acesso aos poços de petróleo do Sul, que perderam para os Chineses, quando implementaram o boicote ao regime de Al Bashir e deixaram o Sudão.

15 de fevereiro de 2007

Perucas







© JVieira
As perucas são um adereço de sucesso em Juba. Por cerca de 10 euros, as jubanas podem ostentar cabeleiras fartas, frisadas ou encaracoladas, curtas ou longas, em tons vermelhos, azuis, roxos, louros ou castanhos. Confesso que às vezes me distraio a apreciar os mais variados penteados quando celebro na paróquia!
T
odos os dias, de manhã, quando vou para a Rádio Bakhita, cruzo-me com uma jovem de ar místico que usa na cabeça um autêntico «ninho de cegonha» em tons castanhos estilo rasta!
A peruca, apesar de ser muito «in», também tem os seus inconvenientes. Em conversa com uma amiga que abandonou o uso do referido «capacho», descobri que o artefacto além de pesado, é extremamente quente. O que não é um dado irrelevante num clima equatorial como o de Juba onde o mercúrio facilmente passa a barreira dos 40 graus!
Para quem não se quer submeter à «tortura» da peruca sintética há a alternativa dos alongamentos, com traças de todas as cores e comprimentos.

13 de fevereiro de 2007

World Press Photo 2006



Spencer Platt ganhou o prémio Foto do Ano do World Press Photo 2006.
A imagem vencedora foi tirada no Sul de Beirute. Jovens da classe alta passeiam-se num descapotável numa parte da cidade bombardeada pela aviação israelita.
O retrato foi feito a 15 de Agosto de 2006, primeiro dia do cessar-fogo entre o Hezbollah, o Partido de Deus, que controla o Sul do Líbano, e Israel.
Spencer Platt é norte-americano e trabalha para a agência Getty Images. Vai receber 10 mill euros de prémio numa cerimónia em Amesterdão, na capital da Holanda, a 22 de Abril.
O júri internacional premiou mais 58 fotógrafos, repartidos por dez categorias de entre 78.083 imagens enviadas a concurso por 4460 profissionais.
O Prémio World Press Photo foi criado, em 1955, pela União dos Foto-Jornalistas Holandeses para dar uma dimensão internacional para o seu concurso anual.

12 de fevereiro de 2007

Refracções

UMBRÍO POR LA PENA

Umbrío por la pena, casi bruno,
porque la pena tizna cuando estalla
donde yo no me hallo, no se halla
hombre más apenado que ninguno.

Pena con pena y pena desayuno,
pena es mi paz y pena mi batalla,
perro que ni me deja ni se calla,
siempre a su dueño fiel, pero importuno.

Cardos, penas me oponen su corona,
cardos, penas me azuzan sus leopardos
y no me dejan bueno hueso alguno.

No podrá con la pena mi persona
circundada de penas y de cardos:
¡cuánto penar para morirse uno!

Miguel Hernández (1910 - 1942)

10 de fevereiro de 2007

Rádio Bakhita







© JVieira
ABERTURA OFICIAL

Rádio Bakhita 91 FM foi oficialmente inaugurada em Juba a 8 de Fevereiro de 2007, dia em que a Igreja celebra a memória de Santa Josefina Bakhita.
A inauguração começou cedo pela manhã. Denis Dramalo, chefe supremo do Condado de Juba, executou uma bênção tradicional com o sangue de um boi imolado par marcar a ocasião.
A cerimónia principal decorreu ao entardecer. O Arcebispo de Juba, Dom Paolino Lukudu Loro, cortou a fita e abençoou as instalações da Rádio Bakhita. Foi acompanhado pelos ministros das Estruturas Físicas, em representação do Governador, e da Cultura e Informação do Governo do Estado de Central Equatoria, P. Moses Hamungole, director do departamento de comunicação da AMECEA, pessoal eclesiástico e mais de 150 convidados.
Os coros árabe e inglês da paróquia de S. José abrilhantaram em conjunto a cerimónia. O evento terminou com um jantar volante oferecido aos participantes.
Durante os discursos, o P. Moses Humungole sublinhou que a Rádio Bakhita é importante «para divulgar a mensagem de justiça, reconciliação e paz em Juba e arredores».
Joseph Lasu Gale, ministro de Cultura e Informação do Governo de Central Equatoria, disse que «a Bakhita vai ser a rádio-líder [em Juba]. Vai contar a verdade às pessoas». E acrescentou: «Esta rádio veio como um dom de Deus e é consequência do CPA», o Acordo Global de Paz.
O CPA foi assinado entre o Governo do Sudão e o SPLA a 9 de Janeiro de 2005 em Naivasha, Quénia.
Elikaia Aligo, representante do Governador de Central Equatoria e ministro das Estruturas Físicas, sublinhou que «espera que a Rádio Bakhita se envolva em todos os aspectos da vida do nosso estado», que seja «uma voz muito forte que denuncia o que está errado.»
O Arcebispo Paolino Lukudu, a concluir, notou que «a Rádio Bakhita não pode ser como as outras rádios. É a voz da Igreja. Séria, diferente, tem que proclamar a verdade, falar da Bíblia». «Tem que ser uma rádio de salvação», rematou.
A abertura oficial da Rádio Bakhita marca o início das suas emissões regulares. Desde 24 de Dezembro que transmitia duas horas por dia. A partir de agora está no ar todos os dias das 17h00 às 21h00.

8 de fevereiro de 2007

Carta aberta

A Igreja celebra hoje, 8 de Fevereiro, a memória de Santa Josefina Bakhita (Darfur - Sudão, 1869; Schio - Itália, 1947). Um missionário comboniano a trabalhar no Darfur escreveu-lhe.

Querida amiga Bakhita,
Aqui estou, de novo. Sinto-me bem a falar contigo. É maravilhoso sentir a tua presença quando me sinto só. Às vezes estou como que encurralado no tão pequeno raio de acção que me é permitido. Excepto quando vou a Bileil, a 14 quilómetros, celebrar a eucaristia para os refugiados. E ainda assim, tudo depende do humor dos soldados de turno nos três pontos de controlo que encontramos no caminho.
Quando penso em ti, há outra pessoa que se faz, naturalmente, bem-vinda, porque é de casa. Refiro-me a Daniel Comboni. Será mesmo que não te tenhas encontrado com ele nas tuas aventuras de escrava aqui no Darfur, Cordofão ou mesmo em Cartum? Creio não ser absurdo pensar que ele só não te arrancou da escravidão por mera casualidade. Sabes que Daniel Comboni sempre lutou pelo direito natural da liberdade do ser humano. Ele sabia do tratado da abolição da escravatura em 1856. Mas na Africa Central – dizia com tristeza – tinha ficado só no papel. Por isso, o comprar escravos para os libertar ficou a ser parte da sua missão. Coisa que ele fez, sobretudo nas terras do Cordofão, por onde tu, Bakhita caminhaste com pés de sangue pelos espinhos da savana ou pedregulhos e areias nuas do deserto.
De todos os modos, vós os dois, agora, sois os santos protectores do Sudão. Mas parece que não vos preocupais nada com a situação do vosso país e desta nossa Igreja que tanto sofre. Não, não digo que a prioridade seja que se convertam ao Cristianismo. Mas porquê esta guerra com tantos mortos e refugiados? Que fazes ai regalada e feliz no Paraíso, sem te preocupares pela tua gente do Darfur? Não tens vergonha? De que estás à espera?
Querida amiga Bakhita, está a chegar o dia 8, a tua festa litúrgica. A tua tribo daju – já me vieram dizer – também vai estar bem representada aqui na grande celebração. São muçulmanos… Mas a igreja não fecha as portas a quem vem festejar com respeito, paz e alegria. Vês como todos – maometanos e cristãos – te querem bem? Mas, muito certamente, esperam algo de ti: que sejas a sua intercessora junto de Deus. São interesseiros? Deixa que o sejam, desta vez. Não posso admitir que deixes morrer tantos amigos teus conterrâneos do Darfur! A tua querida aldeia também já foi evacuada! São muitos os daju que tiveram que fugir e encontrar abrigo no campo de refugiados de Dreige, mesmo pertinho de Algoznei.
Porquê? Mistério do Deus em quem, firmemente, creio! Sou uma simples criatura e não me arrogo a saber os segredos do Altíssimo! Mas tu e Comboni, aí bem junto do Deus três vezes Santo, podereis saber tudo. Eu, por mim, posso adivinhar a resposta. Sei, como teologia certa, que ninguém pode culpar Deus pelos males deste mundo. Quem pensa diferentemente é adepto da teologia barata do egoísmo que, infelizmente, reina em muitas cabeças que se prezam de bem pensantes. A culpa das guerras e de outros males paralelos, não haja dúvida, é só nossa, dos interesses políticos e mesquinhos dos humanos. Mas, mais verdade ainda – e deixa que o diga em voz alta – é que Deus não pode senão amar os seus filhos e filhas. «Deus é amor» é uma verdade que nunca poderá mudar. Ou Deus deixa de ser Deus!
Bakhita, sei que nos queres bem. Quem sou eu para dar lições aos santos protectores do Sudão? Perdão, mas eu insisto: o favor e a graça que queremos peças ao «Patrã»” – como tu O chamavas – é urgente. O teu Darfur precisa desse milagre!
Feliz da Costa Martins
Missionário no Darfur

7 de fevereiro de 2007

Inauguração

Bakhita Radio 91 FM © JVieira

Bakhita Radio 91 FM, a Voz da Igreja, inicia as emissões regulares a 8 de Fevereiro, dia em que a Igreja celebra a memória de Santa Josefina Bakhita, a primeira – e até agora única – santa sudanesa.
As emissões regulares vão ser inauguradas com alguma pompa e circunstância.
Manhã cedo, um chefe local vai imolar um boi e abençoar as instalações da rádio com o sangue.
A cerimónia oficial decorre a partir das 17h00. Foram convidados o arcebispo de Juba, Dom Paolino Lukudu, os ministros da Informação, Rádio e Televisão e das Telecomunicações e Serviços Postais e a ministra do Género e dos Assuntos Religiosos do Governo do Sul do Sudão, o Governador de Central Equatoria, representantes da UNMIS e de outros organismos da ONU, os directores das rádios da cidade e do Juba Post e membros da Igreja local.
Depois da bênção das instalações pelo arcebispo de Juba, seguem-se os discursos de algumas individualidades. A celebração termina com um jantar.
O grupo coral árabe da paróquia de São José abrilhanta as cerimónias que vão ser radiodifundidas em directo.
Bakhita Radio 91 FM está a transmitir em fase experimental duas horas por tarde desde o dia 24 de Dezembro. A partir do dia 8 de Fevereiro, a emissão regular inicia às 17h00 e termina às 21h00. Quando o sistema de electricidade pública funcionar em pleno, a emissão diária terá também um período matinal.
Neste momento, para manter a emissão no ar são precisos dois geradores a gasóleo, um para o estúdio e outro para o transmissor.
Bakhita Radio 91 FM é a estação-mãe da Rede Católica de Rádio do Sudão. A cadeia terá mais sete emissoras (uma por cada diocese do Sul do Sudão) e um centro de formação para jornalistas, radialistas e administradores.
A Rede Católica de Rádio do Sudão é uma iniciativa conjunta dos Institutos Combonianos para marcar a canonização de São Daniel Comboni, o seu fundador, e pertence à Conferência Episcopal dos Bispos Sudaneses.

5 de fevereiro de 2007

4 de fevereiro de 2007

Deslumbres

© JVieira
HE ANDADO MUCHOS CAMINOS

He andado muchos caminos,
he abierto muchas veredas;
he navegado en cien mares,
y atracado en cien riberas.´
En todas partes he visto
caravanas de tristeza,
soberbios y melancólicos
borrachos de sangre negra,
y pendantones al paño
que miran, callan, y piensan
que saben, porque no beben
el vino de las tabernas.
Mala gente que camina
y va apestando la tierra...
Y en todas partes he visto
gentes que danzan o juegan,
cuando pueden,
y laboran sus cuatro palmos de tierra.
Nunca, si llegan a un sitio,
preguntan adónde llegan.
Cuando caminan,
cabalgan a lomos de mula vieja,
y no conocen la prisa
ni aún en los días de fiesta.
Donde hay vino, beben vino;
donde no hay vino, agua fresca.
Son buenas gentes que viven,
laboran, pasan y sueñan,
y en un día como tantos,
descansan bajo la tierra.

António Machado
em "Soledades, galerías y otros poemas"

3 de fevereiro de 2007

Clima

© JVieira

TERRA ESTÁ A AQUECER

A Terra está a aquecer e até ao final do século a temperatura média deve subir entre 1,8 e 4 graus centígrados. O aquecimento global vai fazer subir o nível dos mares até mais de meio metro e provocar grandes secas e vagas de calor.
O alerta foi lançado pelos 500 membros do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Os especialistas em alterações climáticas que integram o IPCC atribuem o aquecimento global a factores naturais e sobretudo à actividade humana. As concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, sublinham, nunca foi tão elevada desde há 650 mil anos.A subida do mercúrio nos termómetros vai fazer subir os oceanos e provocar episódios meteorológicos extremos como vagas de calor, episódios de seca e precipitações intensas. Estes fenómenos poderão causar cerca de 200 milhões de refugiados climáticos até ao fim do século devido à submersão de zonas ribeirinhas e a desertificação.
É altura de os políticos assumirem a sério as resoluções do Protocolo de Quioto se querem proteger o futuro da vida no Planeta. Uma opção que passa pela mudança dos paradigmas de bem-estar e de desenvolvimento sustentado.O IPCC foi criado em 1988 pelas Nações Unidas.

2 de fevereiro de 2007

Compras

© J. Vieira

O Sudão tem uma nova moeda desde 9 de Janeiro. A libra sudanesa substitui o dinar desde o dia do segundo aniversário do Acordo Global de Paz entre o Governo de Cartum e o Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA).
Esta é a terceira mudança de moeda nos últimos 15 anos. O dinar sudanês substituiu a libra sudanesa em 1992, três ano depois de Al Bashir tomar conta do poder. Mas a gente continua a fazer as contas em libras velhas – que tinham mais um zero – embora paguem com dinares.
Se antes ir às compras exigia alguma ginástica mental, agora a situação piorou «muito bem».
Explico! Um quilo de carne de vaca custa no mercado de Juba Velha 1000 dinares, cerca de 3,50 euros. Quando pergunto o preço da carne, o vendedor tanto pode responder 1000 como 10 mil. Nunca fala em dinars ou libras velhas. Por isso, é preciso esclarecer em que moeda está a fazer as contas e começar a discutir o preço.
Agora entrou em cena a libra nova que tem menos dois zeros em relação ao dinar e três relativamente à libra velha.
Quando se pergunta o preço de um qualquer produto, vamos ter que fazer mais contas de cabeça e descobrir se se trata de libras velhas, dinares ou libras novas! E ter atenção ao troco, porque o dinar e a libra vão coexistir durante seis meses!
Outro exemplo. No domingo à noite, quando cheguei da rádio, não havia água. Liguei o gerador para pôr a bomba a funcionar. Mas havia pouco gasóleo no depósito e tive que ir ao posto de abastecimento. Foi a primeira vez que comprei combustível. A bomba do gasóleo marcava 22 dinar (menos de 10 cêntimos) por litro. Os quarenta litros que comprei custavam 880 dinares. Paguei com uma nota de 1000 dinares e fiquei à espera do troco. O funcionário pôs-se a olhar para mim e pediu mais 8000 dinares. Eu respondi: «Mas a bomba diz que são só 880!». Que não, que o litro são 220 dinares e não 22 como constava no marcador electrónico da bomba! Confuso? Também eu. Tive que lhe passar mais oito notas, porque ela estava certo e o marcador da bomba errado! E o facto de não saber árabe para além do obrigado, desculpe, parabéns, bom-dia e okay, dificulta ainda mais as «relações comerciais» em Juba.
Ah! O dinar – palavra árabe – está na origem do nosso dinheiro! E como tem impressa uma pequena oração em árabe, os cristãos chamam-lhe dinheiro muçulmano.

1 de fevereiro de 2007

Refracções


MISSÃO

Missão é partir,
Caminhar, deixar tudo, sair de si,
Quebrar a crosta do egoísmo
Que nos fecha no nosso eu.
É parar de dar a volta ao redor de nós mesmos
Como se fossemos o centro do mundo e da vida;
É não se deixar bloquear
Nos problemas do mundo a que pertencemos:
A humanidade é maior.
Missão é sempre partir,
Mas não devorar quilómetros.
É sobretudo abrir-se aos outros como irmãos,
Descobri-los e encontrá-los.
E, se para encontrá-los e amá-los
É preciso atravessar os mares e voar lá nos céus,
Então, missão é partir até aos confins do mundo.