29 de dezembro de 2009
NATAL
A preparação para o meu Natal começou no dia 22 com a viagem de Juba para Tali, a missão onde celebrei o nascimento do Senhor: cerca de oito horas aos pulos primeiro através de uma estrada de terra batida e depois por uma picada pelo meio da savana de Equatória Central com muitas árvores, erva alta seca e muito pouca vida selvagem.
A 40 quilómetros de Tali, um grupo de católicos recebeu-nos com cânticos: até me chamaram bispo e ofereceram-me um carneiro que tivemos que meter no jipe onde já íamos nove pessoas e muitas coisas mais!
Os cânticos de boas-vindas repetiram-se por mas duas vezes e chegámos a casa já noite com a janta pronta no baú de metal – para proteger a comida de roedores, formigas e insectos.
Tali é a minha ideia romântica de missão: 13 cabanas tradicionais, incluindo quartos, cozinha, refeitório, armazéns e despensa, uma capela e um poço com uma bomba manual, numa cerca de bambu – uma pequena aldeia africana mesmo.
O recinto está cheio de galinhas e galos que todos os dias passam a pente fino o chão arenoso e nos acordam bem cedo!
A missão é toda solar: desde à electricidade até a um fogão que parece uma parabólica gigante.
No dia 23, os soldados do Sul do Sudão chegaram à pequena localidade para recolher armas que os civis usam quando pastoreiam o gado e para se protegerem das razias das tribos vizinhas.
Tali é terra dos Mundari que mantêm uma relação beligerante com os Dinkas do vizinho estado dos Lagos.
Houve pancadaria valente nos civis que se recusaram a entregar a arma – normalmente uma AK 47, uma metralhadora mais conhecida por Kalashnilov – ou a dizer aos soldados onde a esconderam. Ao meio-dia tinham recolhido umas 50 armas, uma colheita fraca numa zona bem armada.
Pela manhã visitámos o mercado local – é a sala de visitas de qualquer aldeia africana – e a escola do governo, ou o que resta de uma série de construções semi-destruídas pela guerra civil de 21 anos.
De tarde fomos ajudar a buscar água ao rio para regar as papaieiras, pés de manga e outras fruteiras plantadas pelos meus colegas.
Uma novidade tecnológica: uma bomba tipo andadeira de um ginásio com duas válvulas a funcionar lindamente, um presente da UNICEF para incentivar a agricultura. Os Mundaris preferem a pastorícia. Só produzem amendoim e algum sorgo para fazerem cerveja e cachaça.
No dia 24 de manhã sentei-me com um jovem local para preparar a celebração da missa em Bari, a língua que os Mundaris falam. Tinham-me proposto que celebrasse a missa em inglês menos as partes dos diálogos com a assembleia. Como as pessoas não entendem inglês achei melhor celebrar a missa toda em Bari e tive que aprender a soletrar uma língua que não conhecia. Mas apesar da tensão, até me desenrasquei bem.
A missa do Natal foi por volta das 10h00 da noite e a capela de paus, barro e colmo estava cheia com muita gente no exterior.
A celebração correu bem com cânticos, danças, a minha homilia traduzida do inglês para Bari. Adorei voltar ao meio simples e natural de uma aldeia do interior: senti-me em casa.
No dia 25, celebrámos a missa de manhã e depois comemos a cabra do natal – o carneiro que me deram precisa de crescer mais um bocadinho – e à tarde foi a sesta geral.Depois fomos visitar o lugar onde as vacas pernoitam, «cattle camp» em inglês. Tinha umas 100 cabeças de gado. Deu para fazer uma fotos interessantes.
À noite, depois da janta, o irmão Damiano projectou um filme sobre a natividade de Jesus com tradução simultânea do inglês!
No dia 26, a caminho de Juba, celebrei a missa na velha missão de Tali, que os meus colegas construíram nos anos 50 e de onde foram expulsos pelos árabes cinco anos depois. Uma casa de tijolos com cinco quartos – embora sem tecto nem portas – mas ainda em muito bom estado, e uma igreja do mesmo material também sem tecto e com um muro a ameaçar ruína.
A aldeia mudou da antiga missão para o novo lugar porque na Tali-Velha não há água.
Depois da missa – e de uma galinha bem preparada para mata-bicho – lá nos pusemos a caminho para chegarmos a Juba a tempo da festa de Natal que o presidente do Sul do Sudão, General Salva Kiir Mayardit, deu para uma grupo de gente onde incluiu o pessoal da casa Comboni.
E antes tinha enviado 50 quilos de açúcar e 150 quilos de farinhas diversas além de garrafas de vinho de missa, de vinho de mesa e de whiskey. Bless you Mister President.
Voltando a Tali, a comunidade foi iniciada há ano e meio. Tem dois padres, o Markus, alemão de uns 30 anos que está de férias em casa, e o Pellerino, um italiano de 65 anos com um palmarés impressionante no sul do Sudão: foi prisioneiro do SPLA, administrador apostólico de Rumbek e recusou-se a ser bispo. Pega na moto com algumas coisas no saco e passa semanas de aldeia em aldeia a visitar as comunidades católicas dormindo onde calha e comendo o que lhe dão.
Depois há o irmão Damiano, um enfermeiro italiano, que além de manter a funcionar um pequeno ambulatório, também coordena as actividades de agricultura e de construção – estão a fazer uma casa de tijolo que deve estar pronta na Páscoa.
Finalmente, o Gregor é um alemão com sangue sul-coreano e está em Tali a fazer uma experiência de pastoral antes de ser ordenado padre. Dá apoio aos professores da escola primária do estado e substituiu os da secundária que se puseram a andar poucas semanas antes de chegarem a Tali – que um considerada por muitos para além do fim do mundo! O Gregor também visita as comunidades mais próximas da missão e bicicleta e anima a liturgia em Tali quando os padres estão fora.
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4 comentários:
Jo,
Que experiencia linda!
E como se estivesse ido la contigo. Legal mesmo! Obrigada pela partilha!
Zéeee!!
Deve ter sido maravilhoso!!!
Que bom, tu mereces!!
Bjtssssssssss
Agora ainda mais real com as fotos de Tali. Adorei aquela das flores e os reflexos na agua. E linda!E tb a do menino no 'catle camp,' linderrima!!!!!!!!!!! Nota dez para o fotografo rsrsrs!
As fotos são como eu tinha imaginado, as tuas descrições são boas! eheheh
Vê-se mesmo que foi uma experiência muito boa, fico muito feliz!
Paz e Bem
Luisinha
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